Haddad tinha acabado de perder. Eu, prostrado e triste, conseguia apenas encarar o chão, assim como todos os vermelhos. Há cinco minutos o local transbordava de alegria. As pessoas riam e cantavam. O ar parecia dizer que o amor triunfaria.
Chico Buarque cantarolava de dentro de uma grande caixa eletrônica cinza. Era uma música linda sobre pessoas e feijoada, daquela forma que apenas o seu lirismo complexamente simples conseguia transparecer. Eu era apenas um rapazote com meus dezoito anos, observando aquelas pessoas apreensivas com apreensão. Todos sabíamos que o ódio tinha uma chance de sair vitorioso.
Os últimos dias haviam sido bastante acirrados. As pesquisas apontavam uma ínfima diferença de votos. A balança podia pender para qualquer um dos lados. Eu, principalmente naquela época, não entendia o charme secreto que o autoritarismo tinha sobre as pessoas.
E, bom, lá estava eu, sentado sobre a divisória de concreto da rua e do Capibaribe, olhando todos aqueles vermelhos à minha frente. Eu já estava ali desde as seis horas. Não estava querendo conversar com ninguém em particular, tinha até fugido de uma saída com meus amigos. Até agora, na verdade, não sei bem o motivo para eu ter sentado ali aquele tempo todo. Talvez fosse um certo medo. Talvez não. Quem sabe a indiferença, ou até demasiada sensibilidade. O fato foi que apenas sentei-me ali e fiquei vendo o tempo passar.
Algumas pessoas olhavam-me com olhos de desejo, outras apenas me ignoravam, eu, porém, apenas bebia minha água e desviava o olhar. Eu não queria conversar.
O tempo foi passando. Minha mente divagando. Eu pensei em tudo que havia ocorrido nos últimos dias de campanha. Como as discussões estavam tronxas. Ela não era baseada em fatos, mas em ódio. Aquilo me assustava. Tudo aquilo que as pessoas preferiram relevar em nome de um ódio estranho.
As pessoas diziam que era a luta de dois extremos, mas em nada eu via dois extremos. Apenas por parte de um deles. Eu via extremismo no lunático brandando ofensas e projetos rasos, enquanto o outro era um professor. Um doutor, na verdade. Suas propostas eram feitas segundo os padrões mundiais, baseado-se em estudos e fatos.
Escândalos de corrupção do tal lunático já haviam sido detectados antes mesmo de sua posse à presidência, mesmo assim as pessoas queriam votar nele. Eu ficava desanimado ao ver isso. Queria desistir. Tudo parecia torto e errado. O mundo inteiro avisava-nos, os brasileiros, que aquele homem era um escroto. Sobre a idiotice retrógrada que seria eleger aquele peão. As pessoas, no entanto, pareciam não se importarem. Eu apertava minha garrafa com força. Algo parecia querer sair de mim.
Alguns instantes depois, deu-se a notícia: o ódio havia ganhado. Minha família ligou-me, dizendo para voltar; que seria perigoso andar de vermelho. Tanto hoje quanto amanhã. "É melhor voltares pra casa", minha mãe disse. Eu fiz que sim.
Desliguei-me e fui embora.
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Histórias Fantásticas De Um Jovem Depravado
KurzgeschichtenAqui eu faço a reunião de todos os meus textos. Ou seja, cada capítulo funciona como uma história não necessariamente interligada com a anterior