Nunca Mais

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As vezes, pela manhã, Pettrovite filosofava sobre a vida. A melhor maneira de fazer isso, segundo o próprio, era abrir a janela de manhã e ver o movimento na rua. Aprendia-se tanto, ele dizia, pra ele as pessoas, e meio que tudo, sempre era tão engraçado. Era tão estranho como, entre todos os possíveis acontecimentos que poderiam existir e acontecer, justamente a que estávamos era a mais provável de ocorrer, alguma coisa assim. Era uma viagem. Ele sempre observava as pessoas, mesmo nem se dando conta. Ele dizia que ao mesmo tempo que era uma maldição, era de certa forma algo incrível. Podia saber precisamente como um cenário se desenrolaria, e com isso via o absurdo da vida. Como tudo se encaixava bizarramente e como ninguém, na realidade sabia muito bem o que estavam fazendo. Era como se todo mundo fosse um estagiário na vida. Era o que ele dizia, pelo menos. Uma vez Pettrovite me disse que uma das maiores mágoas da sua vida era não conseguir transmitir tão bem essa ideia. Ele agoniava-se e coçava-se por não conseguir dizer à humanidade como ela era engraçada e absurda. Mesmo fazendo inúmeros curtas, poemas e textos, nada bastava. Sempre lhe restava um sentimento de que ainda faltava algo. Contava para todos que pudessem ouvir sobre como aquela sensação era, mas as palavras nunca pareciam bastar. Ele tentava transmitir isso com uma convicção e solenidade difícil de se ver no ser humano. Ele realmente acreditava nisso. Acho que ele ficaria triste se eu o contasse que não entendia muito bem o que ele queria dizer com aquilo. Por mais que os fizesse, aqueles seus monólogos sobre a absurda comicidade da humanidade não fizessem lá muito sentido. Pelo menos naquela época. Essas ideias, de lá pra cá, foram tomando forma e crescendo em minha mente. Eu até me lembro que uma vez ele me mostrou um poema, não lembro se ele fez algo com ele, mas era mais ou menos assim:

“As vezes tenho medo

As pessoas realmente escutam?

Minhas obras permutam?

Preocupo-me, eu, ao extremo?

Desfaço-me ao realizar

Que nada que eu faço

A ninguém vá importar

Chorar eu quero

Despedaçar-me espero

Como comunicar

Que este sofrimento faz-me parte

Pois, ao observar o próximo

Que em mim vê apenas código

Perdido me acuso

E posso apenas rir do absurdo.”

Pettrovite deprimia-se ao ver o olhar risonho e debochado que algumas pessoas davam-no. Já o encontrei uma noite sentado em sua poltrona pensando sobre isso. Era uma madrugada estranhamente fria e úmida, eu havia acordado de um pesadelo estranho. Alguma coisa envolvendo uma cidade vazia e um parque. Saí do Quarto e andei até a cozinha para pegar um copo d’água e tirar o seco da garganta, quando, ao chegar no final do corredor, eu o vi sentado na poltrona, soturno. A fina luz refletida da lua e dos faróis da rua iluminavam o rosto semicoberto pela sua mão e cabelos. Ele imediatamente virou-se, assustado. Passamos algum tempo em silêncio, cada um encarando o outro. Na hora eu pensei que ele apenas estava tentando distinguir quem era o vulto, mas alguma coisa sempre me disse que era algo diferente. Acho que ele ficou assustado. Pettrovite nunca ficava triste. Todas as vezes que eu o via ele sempre estava animado ou tentando elaborar alguma obra de arte. Ele ali, sentado na escuridão e sozinho, parecia indefeso. Não parecia preparado. No dia seguinte ele não tocou no assunto. Como alguém que via graça no simples andar de uma pessoa poderia ficar tão triste? Depois desse dia, nunca mais o vi durante a madrugada.

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⏰ Última atualização: Dec 09, 2018 ⏰

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