Capítulo Seis

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Jeon Jeongguk

Por algum motivo que não consigo desvendar — e pela primeira vez —, me sinto genuinamente interessado por algo que o esverdeado diz, então também me sento e tento escutá-lo.

Síndrome de Ondine.

Faço uma careta quando o escuto dizer esse nome. É tão estranho quanto ele, penso, em silêncio.

Flexiono os joelhos e apoio o queixo neles, o rosto virado o suficiente para fitá-lo e escutar cada palavra que sai de sua boca, apesar da distância.

— Eu descobri que tinha isso lá pelos meus oito anos, quando comecei a usar a internet. Até então, nenhum médico conseguiu explicar a minha condição — Prossegue, os olhos tão centrados no concreto do piso que quase não piscam. — Eu esqueço de respirar — Diz, e eu arqueio as sobrancelhas em surpresa. Tenho vontade de perguntar como e por que isso acontece, mas sinto como se uma trava fosse ativada em minha garganta e eu não fosse nem mesmo capaz de organizar minhas palavras. Involuntariamente, levo à mão ao pescoço, mas ele não parece perceber.

De repente ele me olha, como que para conferir se eu ainda prestava atenção em sua história, e retribuo o olhar por um breve segundo, inexpressivo.

Interiormente, estou dizendo por favor, continue.

— Tenho que ficar me lembrando a cada minuto de que meu cérebro não transmite os sinais nervosos essenciais para a respiração. Pra falar a verdade — ri nasalmente —, é bem chato. A maioria das pessoas não acredita nessa história. Acham que sou mentiroso — Joga a cabeça para trás e fecha os olhos. — Você acha que sou mentiroso, Jeongguk? — Entorto o inferior levemente, mas não respondo.

— Acho que é mais fácil assumir que uma pessoa está mentindo quando você não entende o que ela quer dizer — Dá de ombros, abrindo os olhos minimamente. A partir desse momento, começo a perceber como as extremidades de seus olhos são mais puxadas do que o normal, tão bem delineadas que parecem ter sido desenhadas à mão. A sua boca também tem um formato diferente, pigmentada num tom de rosa que entra em contraste com a pele alva. Os lábios, naturalmente entreabertos, são finos, mas cheinhos. Ele provavelmente é a pessoa mais branca que eu conheço. — Sabe qual o ponto positivo? Eu consigo prender a respiração por baixo d'água por quase sete minutos — Diz como se fosse o fato mais honrável do mundo. — É um bom número para um iniciante, não acha? — Coça a ponta do nariz com a falange dos dedos. — O maior recorde já registrado é de vinte e dois minutos, mas acho que estou pelo menos entre os mil primeiros colocados — Dá de ombros. — Minha irmã não conseguiria ficar nem um minuto assim. Ela engasga com o próprio oxigênio quando tenta prender a respiração.

Quando diz isso, me vejo imaginando como é a família de Min Yoongi. Me pergunto quantos anos sua irmã tem, se carrega o mesmo humor peculiar do irmão. Se seus pais também têm os cabelos tingidos. Ou se ele é apenas um elemento x nessa composição, completamente deslocado, como gás carbônico se dissolvendo no ar atmosférico.

— Não acha que seria engraçado se precisássemos lembrar nosso coração de bombear sangue, também? — Observa, me olhando. Balanço a cabeça suavemente em sinal de confirmação. — Como você veio parar aqui em cima? — Olho para baixo.

Eu não sei.

Só me lembro de ter saído da sala no meio da explicação do professor e, inconscientemente, meus pés me levaram até o terraço.

— Eu estava pensando em uma coisa — Interrompe o silêncio instaurado entre nós depois de alguns minutos, me fazendo sobressaltar os ombros pelo susto. — Acho — e tenho quase certeza — de que vou vou ter que esperar um bom tempo até finalmente poder ouvir a sua voz, mas tudo bem. Sou uma pessoa paciente. Estou há quase dezoito anos esperando pelo momento certo — Diz, mais uma vez umedecendo os lábios ressecados. — Mas eu acho que podíamos tentar algum tipo de manifestação. Não com desenhos, porque sou péssimo nisso — Ergue um pouco o corpo para cima e enfia a mão no bolso traseiro da calça cinza, pegando o aparelho celular. Percebo que uma das extremidade superior está quebrada, e os lados de metal estão arranhados. — Se você me desse o seu número, talvez você pudesse escr... — Retiro o celular de sua mão antes que continue, adicionando o meu número.

Como não sei o que escrever no nome do contato, digito apenas 'Jeon Jeongguk'.

Então ele toma o aparelho de mim e muda para 'O melhor discípulo de todos'.

No mesmo instante, me manda uma mensagem, e o barulho da notificação faz com que eu pegue o celular rapidamente e de forma estabanada, quase o deixando cair por entre as mãos trêmulas.

Diferente do que eu pensei, não há foto alguma em seu perfil, e sinto algo dentro de mim se deslocar enquanto o vejo na barra de notificação — a primeira mensagem que eu recebo de alguém. E é de Min Yoongi.

Salvo seu contato como 'O garoto do lago', e o sinal toca, indicando o início do intervalo.

Yoongi me olha de um jeito indagatório, como que perguntando ou talvez esperando que eu me levantasse e saísse, mas não o fiz.

Apesar de o meu estômago roncar em protesto pela fome, não me importo.

Fico ao seu lado nos últimos minutos de "liberdade" restantes, sem dizer uma sequer palavra; apenas escutando — com atenção — o seu falatório incessante.

Não consigo deixar de me perguntar como é possível que o esverdeado guarde tantas informações aleatórias nessa cabeça de vento, apesar de não achá-las inúteis. E muito menos entediantes. De jeito algum.

Nesses poucos minutos, aprendo algumas coisas sobre o Min; sua cor favorita é verde, sua irmã tem oito anos e a maior decepção de sua vida quando criança foi descobrir que seu cabelo era liso demais para segurar um topete como o de Alex Turner — depois de uma falha tentativa de se vestir como ele em uma festa de família, uma tentativa de comemorar o halloween de um jeito mais americanizado.

Também descubro — ou percebo, graças ao meu grande poder de observação — que as fileiras de seus dentes são tortas e o seu sorriso é gengival. Ele também não é muito de rir, mas adquire uma aura infantil quando o faz, apesar da aparência à princípio ameaçadora. Não sei dizer se ele é completamente igual ou o oposto do que mostra ser.

Quando finalmente vejo que a próxima aula está prestes a começar, me levanto silenciosamente, e Yoongi não diz nada enquanto me vê partir.

Desço as escadas encarando o nosso chat ainda aberto em meu celular, e me sinto um pouco menos inseguro sobre isso.

Assim que piso dentro de casa, sei que tudo vai ser como sempre; que vou fazer o almoço de minha mãe, levá-la para o quarto e torcer para que ela pegue no sono, pra que eu não precise vigiá-la pelo resto da tarde. Então sei que vou deitar na minha cama, encarar o teto branco acima de mim, os móveis gastos e empoeirados e que vou contar até dez várias vezes enquanto inspiro e expiro, tentando me convencer de que está tudo bem.

Quando olho para o chão, há uma coisa que antes não estava li.

Torço o nariz, me agacho e pego o envelope.

— Mãe? — A chamou, com os olhos vidrados no envelope de papel. Leio o verso. É o dinheiro da pensão. — Cheguei.

Tento ignorar o papel colado às células enquanto observo atentamente a foto de Yoongi. Diferente do que eu pensei, não é nenhuma foto legal dele do lado da picape, nem dos cabelos desbotados. É só uma foto desfocada de um desfiladeiro de montanhas, que parecia ter sido encontrada na internet.

Desisto no momento em que cogito a ideia de tentar descobrir o significado por trás daquilo.

Repensando várias vezes a ideia de mandar uma mensagem, quase deixo o celular cair no rosto ao receber uma notificação.

Uma notificação dele.

Minha respiração se desestabiliza e não sei dizer se é a tela que está tremendo ou a minha visão que está turva.

O garoto do lago:

jeongguk, tem uma pessoa que eu quero que você conheça

mas só se você quiser

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