Capítulo Trinta e Nove: Faces de Uma Mesma Moeda

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— TEM CERTEZA DE que quer fazer isso? — O príncipe Sarghan me perguntou pela terceira vez desde que eu havia mencionado o assunto.

Parei, com a mão na maçaneta da porta, olhando para o seu rosto, e assenti, séria. Eu tinha que fazer isso. Era a única forma de me sentir bem comigo mesma, de aliviar um pouco daquela culpa que corroía o meu âmago como caruncho corroía madeira velha ou ferrugem corroía o aço bom de uma espada em desuso.

— Preciso entrar sozinha — disse a ele, envolvendo a maçaneta e finalmente abrindo a porta que me separava do meu objetivo ali.

— Darei ordens para que ninguém lhe perturbe — ele respondeu com um aceno da cabeça e se virou, partindo pelo corredor com passadas rápidas e com a capa de veludo vermelho pendurada no seu ombro ondulando a cada movimento.

Virei para a porta e suspirei, encostando minha testa à madeira maciça. Ymira me esperava do outro lado, moribunda. Se ela sobrevivesse a essa noite, talvez tivesse uma chance pequena de recuperação, dissera o médico que a atendera e que nos advertiu sobre o seu "humor" difícil mesmo aparentemente à beira da morte.

Vamos lá, eu animei a Cadius e a mim mesma. Empurrei a porta devagar para não anunciar a minha entrada e dei um passo para dentro. O cômodo estava tomado pelo odor rançoso e pútrido da morte. As cortinas pesadas estavam cerradas, de modo que o aposento também estava encerrado em semipenumbras. Distingui os contornos da pouca mobília e avancei outro passo pelo carpete, meus passos mal passavam de sussurros.

Mesmo assim, a figura pálida e suada que ocupava o centro da cama conseguiu me distinguir — claro que ela o faria. Ainda que não tivesse forças para se sentar ou mesmo que fosse para virar a cabeça para me fitar, seus olhos conseguiram se arrastar até mim.

— Está aqui para tripudiar? — perguntou-me num timbre rouco e fraco.

Fechei a porta e me aproximei da cama, decidida, erguendo os ombros e o queixo.

— Sabe que não — murmurei quando me coloquei aos pés da cama; os lençóis estavam tanto encharcados de suor quanto as ataduras que envolviam seu torso e braço estavam empapadas de sangue.

Ymira revirou os olhos. Mesmo agora, tomados por uma luz baça, eles permaneciam argutos, tão afiados quanto as cimitarras e o sorriso mordaz que ela sempre carregava consigo.

— Então está aqui para me oferecer perdão, Mensageira? Vai me absolver dos meus pecados em nome das suas deusas bondosas? — ela fez troça dessa última palavra como se o mero pensamento de eu tentar redimi-la lhe causasse asco.

Entrelacei meus dedos com calma e suspirei.

— Tampouco.

Ymira grunhiu, mas então franziu o rosto em dor quando tentou se virar na cama.

— Enfie a sua misericórdia e a sua bondade compulsória onde elas melhor lhe aprazerem, Mensageira — resmungou. — Nunca precisei que ninguém sentisse compaixão de mim.

— Não vim tentar te redimir, Ymira — reiterei com meu tom de voz firme.

— Então por que está aqui?! — exigiu saber, forçando sua voz a soar mais alta mesmo que o esforço porejasse seu rosto pálido com um suor frio e grudento.

Aproximei-me mais, ignorando seus olhares de advertência, e sentei na beira do colchão de penas macio, nos lençóis úmidos de suor.

— Vim lhe oferecer conforto — disse-lhe, arrebatando um som de escárnio do fundo da sua garganta e um revirar de olhos deveras dramático.

Nysa - A Campeã de AstherOnde histórias criam vida. Descubra agora