Capítulo Dezoito: Espada de Vento

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ACORDEI CEDO NO segundo dia de lutas da segunda rodada do torneio, o dia em que eu lutaria, antes mesmo que o sol sequer tocasse o alto das muralhas externas de Asther.

Vesti minha armadura, peguei minhas armas e parti com meu senhor em direção à Arena. Mesmo que os combates só fossem se iniciar ao meio-dia, Gorah disse-me que queria discutir algumas últimas estratégias comigo, a partir das informações que pudera recolher sobre o estilo de luta de Loturak, comumente chamado de Espada de Vento em sua terra natal, Bavidhis.

Eu o vira de relance mais cedo: era um homem impressionante, com certeza chegava a quase dois metros de altura, cabeça raspada e braços tão musculosos que certamente me partiriam ao meio se eu desse a oportunidade. Usava uma couraça toda preta e argolas prateadas em ambas as orelhas. O que mais chamava a atenção sem dúvida, no entanto, era a espada montante que levava em suas costas, quase media seu comprimento e devia pesar em torno de quase dez quilos de aço puro. Mas era seu apelido que mais me incomodava, eu admito. Eu tinha um pressentimento ruim sobre isso.

Ainda pode desistir dessa loucura, criança, Cadius murmurou, tirando de mim nada mais do que um muxoxo.

E quem disse que eu quero desistir?, retruquei. Na verdade a possibilidade de Loturak representar um bom desafio para mim me excitava. Continuei a amolar minha espada calmamente, sentada num banco vacilante, meio escondida numa das muitas galerias internas da Arena enquanto meu senhor assistia a todas as lutas do dia para que viesse me contar quem as vencera mais tarde.

O único outro competidor daquele dia que chamava minha atenção era Rhiz. Alays me dissera que ele também era de Torandhur, onde era conhecido — e temido — por ser o maior Encantador de Armas dos três reinos. Estava começando a me questionar se isso, de fato, não era apenas falácia dele.

Vez por outra ouvia os clamores da multidão atravessarem as muitas paredes que nos separavam. Eles estavam famintos por uma boa luta hoje.

Estão famintos por violência e barbárie, Cadius me corrigiu com azedume. Eu não ousei contrariá-lo, afinal ele estava certo.

Raspei a pedra lisa ao longo da lâmina do meu Tributo da Deusa mais uma vez e testei seu gume com a ponta de um dedo. Uma gota brilhante de sangue brotou de um corte ínfimo ao mero roçar. Perfeito. Tive a súbita e desagradável sensação de não estar mais sozinha; um pressentimento incômodo, como uma pressãozinha na base de minha nuca, tão inconveniente quanto a picada de um inseto desprezível.

Ergui os olhos, ranzinza, e encontrei Rhiz, de pé sob a entrada do recinto. Couro negro tingido e cozido cobria a maior parte do seu corpo com muitas fivelas e argolas prateadas tinindo a cada vez que ele se movia. Combinava com as tatuagens também negras em sua cabeça raspada. Agora que as olhava mais atentamente, elas possuíam um padrão curioso, exótico. Anéis coloridos decoravam sua barba pontuda. Mas ele não portava arma alguma. Apenas alguns metros nos separavam.

— Achei que te encontraria aqui. Por acaso está se escondendo de alguém? — Malícia escorria de sua língua viperina, assim como de seus olhos profundos. Se havia um sentimento que Rhiz seria incapaz de inspirar em alguém, esse sentimento seria confiança: o homem era traiçoeiro e ele gostava de deixar os outros saberem disso.

Pus-me de pé num rompante de audácia e ainda sorri dissimuladamente para ele.

— Não me escondo de ninguém. Queria poder desfrutar de um pouco de paz e tranquilidade somente.

— E vai orar às deusas pedindo por proteção? Talvez para que elas te concedam uma célebre vitória?

Fechei a expressão. O homem tinha uma maneira mansa, porém ardilosa, de falar. Era enervante. Fitei-o sem me deixar ser intimidada. Na verdade, Rhiz mais me irritava do que assustava. Percebi que adoraria esganá-lo no momento em que ele sorriu maliciosamente para mim, aproximando-se com a indolência de um grande felino prestes a capturar sua presa. Quando percebi que havia mais do que malícia no seu olhar, era tarde demais. Arfei quando seus braços se estenderam e me agarraram pela cintura, puxando-me ao seu encontro.

Nysa - A Campeã de AstherOnde histórias criam vida. Descubra agora