II

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  Eu sempre amei jogar futebol. Sempre ouvi falarem que garotos como eu não gostavam desse tipo de coisa. Idiotice. Gosto de futebol desde pirralho e, modéstia à parte, sou muito bom nisso.

  Hoje, com 16 anos, eu poderia muito bem jogar no time oficial da escola, contudo prefiro manter apenas como um hobbie. Toda quarta-feira, com os amigos do meu pai e seus respectivos filhos.

  No campo, eu esquecia os problemas. Era apenas eu, o time e a bola. Sem confusões familiares ou com outros garotos.

  Os times foram divididos. Pelo menos agora não era feita mais a divisão dos "sem camisa" e dos "com camisa". Eu odiava aquilo.

  — Confesse que você adoraria ver o Enzo sem camisa. — Eu posso jurar ter ouvido aquele garoto idiota sussurrar no meu ouvido, mas quando viro na direção não vejo ninguém.

  Admito que Enzo estava na lista dos mais bonitinhos, junto com Benjamin e William. Merda, eu tinha que parar de pensar bobagens e me focar no jogo.

  Não acho que a partida seja realmente relevante, eu fiz um gol e ajudei Enzo a fazer outro. Eu estava com a posse da bola quando um carrinho mal-sucedido de William me fez tropeçar e cair de cara no chão.

  — Arthur? 'Cê tá bem? — Ele pergunta e eu aceno a cabeça.

  Meu pé dói muito, tento levantar e não consigo. Com minha demora para levantar mais pessoas se aproximam preocupadas.

  — Filho, está bem? — Confirmo com a cabeça. — Acha que consegue continuar a jogar? — Dessa vez eu nego.

  — Como você é desastrado, William! — Ouço uma voz conhecida, é Benjamin. Ele parece realmente irritado. — Tá tudo bem, Arthur?

  William parece se contrair com a reclamação de Ben. Tenho certeza que ele não fez de propósito, então fico com um pouco de pena. Também tinha o fato de William ser fofo, com covinhas, aquela pele escura e cabelos crespos tipo Black Power sempre acompanhados por uma bandana. Fofo demais para ficar com raiva por muito tempo.

  — Pela milésima vez, sim! — Eu grito sem dirigir o olhar para Ben. Ele murmura um "desculpa'' e eu me sinto mal. — Foi mal, não quis ser grosso.

  Para me salvar daquela situação constrangedora surge Kátia, mulher de Ewerton. Ela e outras mães ou esposas costumam vir assistir alguns jogos. Por sorte, Kátia era enfermeira.

  — Não está quebrado. Apenas um pouco de gelo deve bastar. — Ela diz depois de analisar meu pé.

  Com essa notícia, William e meu pai se afastam, mas o menino com quem eu tinha gritado continua do meu lado. Ele realmente é um rapaz bonito, com pele escura, cabelos crespos e tinha aproximadamente minha altura. Talvez um pouco mais baixo, é difícil dizer.

  — Vou ajudar você. — Ele estende a mão para me auxiliar.

  — E o jogo?

  — Para isso temos os reservas. — Benjamin sorri e, involuntariamente, eu sorrio junto.

  Ele se oferece para me ajudar e eu aceito de bom grado. Seguro sua mão e ele me puxa me segurando com os dois braços ao meu redor. Quando sinto seus braços me segurarem de forma tão protetora um choque percorre todo meu corpo. Eu soube que estava encrencado a partir daquele momento, quando quis puxar seu tronco para mais perto, passar minhas mãos por seus fios escuros e encaixar nossos lábios com urgência.

  — E-eu sei andar sozinho — digo e o empurro, mas ao dar meu primeiro passo sinto meu pé doer.

  — Não duvido disso, entretanto vou te ajudar mesmo assim.

  Vencido pela dor, deixo ele me guiar até o banco, onde Kátia me entrega um pacote de gelo.

  — Tem certeza que você está bem, Arthur? Quer alguma coisa?

  — Calma, Benjamim, você está mais preocupado que meu próprio pai.

  — Desculpa... É que... — A frase morreu por aí e ele nunca chegou a completar.

  Ficamos em silêncio por um tempo quando ele puxou assunto:

  — Você gosta de futebol? — Eu aceno com a cabeça e ele toma liberdade para continuar. — Eu pessoalmente não gosto muito, mas meu pai me obriga. Como se jogar bola fosse tirar a homossexualidade de mim.

  Eu me desequilibro um pouco com a notícia e deixo cair minha bolsa de gelo.

  — Você não tem problema com isso, né? — Benjamin devolve bolsa de gelo um pouco nervoso com minha reação.

  — Que? Deus, claro que não! — Ele sorri e desvia o olhar. — Sinto muito por teu pai te obrigar.

  — Não é tão ruim assim, aqui tem pessoas legais.

  Delicadamente e ainda olhando para o lado oposto, Benjamin coloca a mão por cima da minha.

  — Pelo amor de Deus, se beijem — Eu poderia reconhecer essa voz em qualquer lugar, afinal era minha própria voz. O garoto do armário. Estava demorando para aparecer. — Desculpa, você tem me prendido muito por esses tempos... Relaxa, já entendi! Vou deixar os pombinhos a sós.

  Dito isso o garoto some. Não havia nada que eu pudesse fazer além de impedir que ele fizesse besteira de novo, como o ocorrido com o Felipe. Estava tão aéreo que só escutei Benjamin me chamando na segunda vez.

  — Arthur, posso te perguntar algo?

  — Já está perguntando... — Ele pende a cabeça para o lado com uma expressão de deboche. — Ok, desculpa, o que você quer?

  — Vai fazer algo depois daqui? A gente pode sair para conversar... Sabe, só nós dois, sem a galera do time enchendo o saco.

  Rapidamente tirei minha mão de perto da sua. Ele estava me chamando para um encontro?

  — É... Desculpa, não dá. — Engoli em seco sendo obrigado a suportar o climão que surge. — Olha, eu esqueci que tenho que... Resolver uma coisa.

  Nada mais falso que isso. Eu sempre fui um péssimo mentiroso. Levantei, mas meu pé ainda não estava 100% e tive que sentar de novo.

  — Não. Fica aí, Arthur. É melhor eu ir embora. — Benjamin sai sem olhar para trás.

  Ótimo. Ele me odeia agora. Tanto faz, eu mereço isso.

  — Feliz agora? Seu idiota! Você acabou de rejeitar um cara incrível! — Como se não pudesse ficar pior, o garoto aparece outra vez.

  — Por que você não volta pro armário de onde nunca deveria ter saído? — Eu falo baixo enquanto olho para o chão, garantindo que ninguém me visse falando sozinho.

  — Por que você continua fazendo isso comigo e consigo mesmo? — Ele resmunga.

  — Só fiz o que era melhor para todo mundo. E vê se me deixa em paz, porra.

  — Eu posso ir, mas vou sempre voltar. Você sabe que no fim do dia, não importa o que aconteça, vai continuar sendo apenas eu e você. — Foram suas últimas palavras antes de sumir. Nunca o vi soar tão frio.

  Olho para cima, como se do céu fosse cair um milagre capaz de resolver minha vida. Em resposta, começou a chover.

  Eu só quero um dia sem tantos problemas.

Tem Um Garoto No Meu ArmárioOnde histórias criam vida. Descubra agora