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  — Filho, pode entregar esse vestido para a dona Yara?

  — Tenho mesmo que ir? A dona Yara mora tão longe daqui.

  — Por isso que estou pedindo para você. Tu é jovem e andar vai te fazer bem. Fora que seu pai saiu com o carro.

  Não disse mais nada, já que não se deve contrariar mãe. Dona Yara era uma senhora simpática que já era cliente costumeira de minha mãe. Eu costumava a visitar e ser servido por bolinhos. Também lembro do neto dela que deveria ter mais ou menos minha idade... Mas é melhor não falar sobre isso.

  Fui escutando música o caminho inteiro, trocando meus pensamentos intrusos pela letra de Believer do Imagine Dragons.

  Toco a campanhia e Yara me atende com um sorriso. Ela me entrega o dinheiro e eu deixo a sacola com o vestido em cima da mesa. Antes que eu saia ela me oferece bolinhos e pede que eu espere. Não posso negar, dona Yara é uma confeiteira de mão cheia. Sento no sofá e brinco com Floquinho, um de seus cinco gatos.

  Dona Yara está no meio de um monólogo sobre seus gatos quando a campainha toca.

  — Deve ser o José Carlos. Ah, ele está enorme agora! Que saudade quando vocês dois corriam pela sala...

  Um arrepio percorre minha espinha. Dentre todos os dias e horários, Zeca tinha que vir visitar a avó justamente quando eu estava aqui. Quais eram as chances?

  Eu não venho visitar Dona Yara com tanta frequência, mas pelo que sabia seu neto estava na cidade natal, Belo Horizonte.

  Ele entra e assim que me vê sua expressão mudar para surpresa. Dona Yara vai para a cozinha, me deixando sozinho com seu neto.

  Zeca (ou José Carlos, nunca apenas José e nunca apenas Carlos) era mais baixo que eu, porém muito mais largo e mais forte. Acho que ele estava malhando inclusive.

  — O que 'cê está fazendo aqui? — Ele sussura com uma expressão confusa. Eu não respondo e ele aponta para a varanda. — Vamos conversar ali.

  Eu não tinha muita escolha, apenas o segui até a varanda, me sentando na cadeira mais próxima. Ele se sentou na cadeira a minha frente.

  — O-olha, eu não sabia que você estaria aqui! E antes que diga algo, eu nunca contei para ninguém.

  José Carlos e eu tínhamos ficado algumas vezes. Eu sempre visitava sua vó e ele estava sempre lá. Acabou acontecendo, era inevitável. Eu gostava dele, porém nós dois estávamos presos a um armário idiota. Na última vez que vi Zeca, ele tinha me rejeitado e me empurrado logo em seguida.

  — Está tudo bem, eu já saí do maldito armário. — Ele sorri. Eu desvio o olhar, esse assunto não me agrada. — E quem sabe sobre você?

  — O q-que você quer dizer?

  Ele me lançou um olhar do tipo Você Sabe Do Que Eu Estou Falando.

  — Ninguém. — Assumo com as bochechas vermelhas. — E eu prefiro que continue assim.

  Zeca fez um estalo com a boca.

  — Eu entendo. Olha, como alguém que já passou por isso vou te dar um conselho: não se proíba de ser quem é só porque os outros dizem que é errado. Ficar no armário pode parecer mais seguro, mas isso vai drenar muito de você. No começo vai ser difícil, não vou mentir, mas depois melhora e 'cê vai se sentir livre.

  Mordo a bochecha com força. Aquele era o último tipo de conversa que eu queria ter com ele. Sinceramente, agora eu só queria voltar para casa.

Tem Um Garoto No Meu ArmárioOnde histórias criam vida. Descubra agora