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P.O.V – Haydée Pamplona

- Muito obrigado por ter aceitado almoçar comigo e com a Mel. – Glauco falou sorrindo.

Estávamos no carro, eu acabei aceitando o convite e agora ele estava dirigindo para algum lugar ao qual eu ainda não sabia. Esmeralda estava no banco de trás, deitada confortavelmente. Fiquei admirando a paisagem pela janela e por um ato involuntário, acabei ligando o rádio, como sempre fazia quando saíamos juntos anos atrás.

- Você não perdeu esse costume...

- Que costume? – Me fiz de desentendida.

- Ligar o rádio, num volume alto, enquanto saiamos para passear. – Ele comentou sorrindo, virando o rosto para me encarar por alguns segundos.

- Desculpe se te incomoda. – Fui abaixar o volume para logo depois desligar o som, mas ele segurou minha mão, fazendo-me sentir um choque momentâneo juntamente com um arrepio.

- Haydée, não me incomoda, de forma alguma. São desses momentos que sinto falta, dos nossos momentos. – Confessou, me deixando nervosa e confusa por um momento.

- É para isso que você me chamou para almoçar? Para reviver algum momento da sua cabeça? – Pergunto, completamente na defensiva. – Desculpe, Glauco, mas você tem que viver esses momentos com sua mulher, ou criar novos momentos, novas memorias... e me esquecer.

- Assim como você... me esqueceu? – Ele perguntou tristemente, após estacionar o carro.

Abro a porta do carro e desço, abrindo a de trás em seguida para que Mel descesse. Seguro sua coleira e vou para a calçada, ignorando sua pergunta completamente. Respiro fundo e conto até cinco, para acalmar meu coração. Querendo ou não, ele ainda mexia comigo e essas perguntas não ajudavam em nada.

Entramos no restaurante e fomos para a área externa, por conta de Esmeralda. Glauco tinha escolhido um restaurante especial, por conta da nossa bolinha de pelos. Havia uma área de recreação para animais de estimação, assim como para crianças. Ele assobiou e Mel correu doida em sua direção, apoiando as duas patas no ombro de Glauco, que estava agachado à sua espera.

Sentei-me a mesa e peguei o cardápio, observando e tentando decidir o que iria escolher. Percebi que ele sentou à minha frente e ficou me encarando, continuei com meus olhos voltados para o cardápio até que o garçom viesse nos atender. Fiz meu pedido, salada com salmão grelhado e suco de laranja. Só então lhe encarei e o vi sorrir, pedindo em seguida o mesmo que eu, porém acompanhado de arroz integral.

E quando o garçom se foi, o silêncio voltou a nos rondar. Glauco permanecia a me encarar e eu decidi não fugir mais, sustentando meu olhar ao seu. Ele deu um sorriso triste e inclinou a cabeça.

- Então, você me esqueceu mesmo. – Constatou, fazendo-me revirar os olhos.

- Do que isso importa agora? – Pergunto, cruzando minhas pernas. – Estamos separados, você preferiu a sua Lurdinha do que a mim e o nosso casamento de anos. Passamos por vários momentos, eu sofri, eu lutei sozinha para me manter firme e conseguir controlar a minha doença. Seria óbvio eu te esquecer e seguir minha vida.

- Virei um fantasma em sua vida. – Ele lamentou, concordando com a cabeça e fugindo do meu olhar.

- Você poderia ter sido alguém, mas deixou ela em sua cabeça... esquecendo de todo o resto. – Comentei, colocando o lenço em meu colo.

- Sim, eu deixei. Eu caí nos joguinhos dela, eu acabei me apaixonando por uma farsa, por um desejo insano, pela necessidade.

- Necessidade?

- Um homem numa crise de meia idade, atraído por uma jovem. Não é meio óbvio para você? – Glauco diz, apertando as têmporas.

- Não entendo qual a necessidade de você estar se explicando agora. – Digo, tomando um gole do suco que havia sido colocado a mesa.

- Haydée, eu sinto com o passar dos anos, que a nossa amizade está se esvaindo aos poucos. Eu entendo, eu te magoei, te fiz sofrer, mas... até os fantasmas precisam de amigos. E... você era a minha melhor amiga.

- Laerte é o seu melhor amigo. – Pontuo, semicerrando os olhos.

- Não e você sabe disso. Somos parceiros desde que nos conhecemos, sempre confidenciamos um ao outro nossos medos, nossas angustias, nossos sonhos; eu sinto falta dessa parceria, dessa Haydée. Que me deixava deitar em seu colo e fazia um cafuné quando eu estava triste ou cansado, que me alegrava para que o meu dia não desmoronasse, que me apoiava com os meus projetos.

- Você me traiu não só com a Lurdinha, mas com outras mulheres também... uma delas foi a Nina. – Desviei meu olhar, pois isso ainda me machucava.

- Sim, eu fui fraco. Eu me deixei levar, nosso casamento estava em crise, você estava diferente e eu não percebi que isso era por causa...

- Da minha doença. Pode falar, isso não é mais um segredo para ninguém.

- Me desculpe, eu preciso que você me perdoe, Haydée. Não aguento esse clima estranho toda vez que nos encontramos em alguma festa, algum evento... a formatura da nossa filha é daqui a algumas semanas, estaremos juntos em Nova York.

- Glauco, por mais que eu tenha passado por tudo o que passei, eu não odeio você. Tenho magoa, claro. Mas, não odeio. Você é o pai das minhas meninas, foi o amor da minha vida, o primeiro... Tem um lugar especial em meu coração. Mas...

- Mas? Por favor, continue.

- Encontrar com a sua esposa e escutar todas aquelas brincadeiras de mau gosto, eu não consigo. Me desculpe, mas não tem condições. – Explico, negando com a cabeça.

- Eu entendo, Lurdinha é insuportável nesse quesito. Eu já reclamei e chamei atenção diversas vezes. Isso que dá, se casar com alguém tão jovem e sem experiência de vida. – Ele brincou consigo mesmo, me causando uma gargalhada, contida por um sorriso. – Pode rir da minha cara, é um fato verdadeiro o que acabei de falar.

- Desculpe... – acabei gargalhando e ele me acompanhou.

- Eu senti falta desses momentos, das nossas conversas. – Glauco diz, segurando minha mão por cima da mesa. – Obrigado mais uma vez, por ter aceitado almoçar comigo.

- É, eu precisava disso para enfrentar meus demônios e seguir em frente.

- Passei de fantasma para demônio? – Perguntou divertido, enquanto observávamos nossos pratos serem colocados à mesa.

- Não seja ridículo, não falei em relação a você de fato e sim a tudo o que enfrentei e venho enfrentando. – Dou de ombros, começando a comer o meu salmão.

- Você está mesmo bem? Sabe que pode contar comigo, para o que precisar. Quero te ajudar no que for possível.

- Estou, não se preocupe. Não venho roubando mais nada, desde que nos separamos. Continuo no tratamento, nas minhas terapias.

- Isso é maravilhoso. Fico muito feliz em ver você retomando sua vida, seu trabalho, crescendo cada vez mais. Estou orgulhoso, de verdade. – Glauco diz, com um lindo sorriso no rosto.

- Obrigada! – Agradeço, envergonhada. – E então, ansioso para a formatura da Raissa? Estou tão empolgada e orgulhosa, finalmente nossa menina está seguindo sua vida.

- Ansioso é pouco... Nova York vai parar com a formatura da nossa menina. – Ele brincou, me fazendo rir.

- Não seja exagerado, Glauco. – Semicerro os olhos, com um sorriso divertido.

E o clima pesado de antes, deu lugar a um ar mais tranquilo, divertido, como a muito tempo não acontecia. Essa foi uma conversa importante, colocamos tudo em pratos limpos e nos perdoamos de alguma forma. Agora, era aguardar o que o futuro nos reservava. Minha exposição, minhas meninas, minha nova vida. 

Um (Des)Casamento Complicado  #HAYCOOnde histórias criam vida. Descubra agora