Depois daquela briga eu fiz treze anos... Meus tios disseram que minha primeira briga havia sido boa e que o olho roxo de Mateus era um presente e tanto por ter dito o que disse de mim. Mamãe e papai não gostaram dos incentivos de meus tios, mas não era como se eu fosse virar uma lutadora de MMA, embora o pátio realmente parecesse um octógono.
Enfim, semanas se passaram até que os comentários sobre a briga cessassem tanto em casa quanto na escola e apesar de eu apenas ter defendido o meu amigo, não saí ilesa de um bom castigo e o contrário do que seria castigo para muitas pessoas, para mim não faria diferença. Não fazia questão de Internet, muito menos de sair de casa para qualquer lugar, então meus pais fizeram algo terrível: Me deixaram uma semana sem minhas séries, com o intuito de me fazer pensar no que havia feito.
Ao final daquela semana eles perguntaram: "E então, pensou no que fez?" balancei a cabeça em sinal afirmativo "Qual foi a conclusão que chegou?" "Que eu estava cega quando gostei do Mateus". Mamãe riu e papai fez uma cara feia e suspirou. "Pelo menos aprendeu alguma coisa" ela comentou. Meu pai se levantou e pôs as mãos em meus ombros "O que sempre dissemos a você?" "Que vocês me amam" ele riu e disse que era outra coisa. "Sempre falamos que você era filha de Deus. Para que você não aceitasse nada menos do que ser tratada como filha" e eu respondi que sabia daquilo "Mas o Mateus também é filho. Você o tratou como um?" eu respondi que não.
Conforme fui crescendo, fui aprendendo a lidar com aquele tipo de comentário. Não era agradável, com certeza, mas sabia identificar as pessoas que apenas queriam me machucar. Claro que os livros jamais me machucariam, mas não era como se os autores me ajudassem, John Green que o diga.
E embora Anagrama fosse muito gentil e me fizesse me sentir menos deslocada, ainda me sentia diferente. E muito.
Mas o que eu poderia fazer? Eu era diferente.
Certa vez, mamãe me disse que ser diferente era bom. Era sinal de que você seria marcante na memória de alguém e seria inconfundível. Mas eu não queria ser diferente, apenas queria ser eu. Com todos os meus traços, qualidades e defeitos, fossem quais fossem. A verdade é que não posso negar que por diversas noites me peguei pensando que acordaria pela manhã e me veria apenas de uma cor.
Independentemente de tudo isso, no outro dia eu estava na escola e algumas meninas começaram a falar comigo também. Disseram que eu era muito corajosa e que o Mateus realmente era um boboca que só falava besteiras, palavras delas não minhas.
Então, para o meu desespero, no meio do ano, Legado saiu da escola. Sabe, o momento em que seu amigo não vai à escola e você não sabe nem para onde ir, pois aquele amigo era o seu único. Era exatamente isso. Mas antes disso ele avisou.
Foi um dia antes das férias de meio de ano e estávamos tomando um sorvete napolitano, que comprei porque eu achava que parecia comigo. "Camila, tenho uma coisa muito séria para te falar." eu poderia esperar qualquer coisa, e não brinco quando digo qualquer coisa, menos um aviso de saída da escola. Ele iria para a escola do outro lado da cidade, mais perto da casa dele. Juro que fiquei sem chão.
"Sério? Poxa, queria que ficasse comigo" não escondi minha tristeza. Ele disse que não eu precisava me preocupar e que iríamos ficar bem, não nos largaríamos, mas eu sabia que não seria bem daquele jeito. "Eu estou com medo." ele perguntou qual era o meu medo e olhei em seus olhos. Ele entendeu e disse: " Não se preocupe com as pessoas. Olhe, são só pessoas e não monstros. Se te tratarem mal, levante a cabeça e continue" perguntei como faria amigos e ele disse: "Do mesmo jeito que você me fez seu amigo" em seguida nos abraçamos. Ficamos ali, lado a lado terminando nossos sorvetes e pontuando o que iríamos fazer das nossas vidas dali para frente enquanto, em silêncio, eu guardava na memória o seu cheiro de blueberry e seu cabelo caramelo (ele queria se dedicar à arte e eu iria ser dentista). O ônibus dele virou a esquina e meu coração se apertou. Sabia que não o veria mais... "Posso te fazer uma pergunta?" ele respondeu que sim e eu perguntei se no primeiro dia de aula aquilo havia sido um sorriso. "O que você acha?" e subiu no ônibus com o mesmo pseudo sorriso que me atormentava dia e noite desde sua chegada à escola... Depois daquilo, nunca mais nos falamos. Mas vez ou outra o encontrava em algum lugar.
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C A M O M I L A | Série Singular
Short StoryCapa por: @NKFloro. Dizer que seus "eus" eram opostos seria desleixo. Uma mera metáfora, para a realidade que vivia. Seu lado negro sentia vergonha e seu lado albino poderia sentir as bochechas ficarem quase vermelho-bombeiro. Uma anomalia tão incom...