Capa por: @NKFloro.
Dizer que seus "eus" eram opostos seria desleixo. Uma mera metáfora, para a realidade que vivia. Seu lado negro sentia vergonha e seu lado albino poderia sentir as bochechas ficarem quase vermelho-bombeiro. Uma anomalia tão incom...
Inúmeras foram as vezes que eu precisei lembrar a mim mesma que as opiniões de pessoas que não se importavam comigo não me definiam. As únicas que precisava me preocupar de verdade eram as de Jesus e dos meus pais, pois esses sim apenas queriam o meu bem. Foram anos de batalha mental e quando achei que iria desistir, meus pais e doutor Paulo me mostraram que eu era mais forte do que podia imaginar.
Comecei a reparar nas pessoas ao meu redor e a perceber que cada pessoa é de uma forma. Quero dizer, não existe uma maneira certa de corpo, idade ou cor. Onde eu olhasse, acharia um padrão, um formato pronto, aquilo que sempre era igual: o ser humano. Foram necessários anos para que percebesse que todos ao meu redor eram um padrão e arriscaria dizer que até eu mesma era um padrão. Meio diferente, mas ainda assim era um padrão. Eu era comum, era eu, era singular.
Depois que comecei a fazer o que o doutor Paulo disse para fazer, fui ficando mais leve. Claro, não foi automático. Lembro-me de dias em que apenas enxergava defeitos em mim, então apenas agradecia a Deus por estar viva e saudável. Por ter pais que me amavam e faziam tudo por mim. Houve dias em que apenas agradeci pelo chuveiro quente da minha casa ou então minha cama... Doutor Paulo me disse que eu precisava trabalhar minha gratidão e por isso me passou o exercício e ainda disse que minha ingratidão era fruto de constante comparação e foco na parte errada. Tudo o que existia em mim era fruto de alguém que por vezes caía na armadilha da comparação e enxergava apenas aquilo que faltava, e então era necessário que eu enxergasse a vida como um presente divino, porque realmente era. Eu não merecia nada, e mesmo assim recebi tudo o que poderia imaginar de melhor. E, na verdade, era o que significava a graça: Um presente de Jesus.
Então comecei agradecendo pela nova escola, (não estava preparada para agradecer pelo vitiligo ainda, mas se contar como evolução não queria mais acordar e me ver apenas de uma cor) pela oportunidade de conhecer novas pessoas e pelo meu cabelo, pois embora eu tivesse problemas com frizz, ele era a minha coroa. De maneira prática, comecei a hidratar mais o cabelo e a pele, beber mais água, fazer as unhas, pois querendo ou não aquelas eram as formas que eu encontrava para me amar e ser grata pelo corpo que tinha e cuidar para que ele se tornasse cada vez mais como eu queria. Também comecei a fazer mudanças na minha rotina e nos meus hábitos (acordar mais cedo, arrumar a cama todos os dias, enfim) e agradeci pelos meus priminhos que poderiam me fazer companhia na nova escola.
Ao contrário do que imaginei, a mudança de escola não foi tão agradável igual nos livros. Claro, era necessário muita coragem para fazer aquele tipo de mudança, mas o bom foi que saí da minha zona de conforto. Li em algum lugar na bíblia que eu deveria andar de cabeça erguida, com toda a coragem e preciso dizer que o Espírito Santo foi quem me encheu dela, pois por vezes ainda tinha vergonha dos olhares das pessoas, mas entendi que era normal para alguém introvertida como eu. Na nova escola, ao contrário das minhas expectativas, não fui mal recebida. Fiz alguns poucos amigos que também me ajudaram no processo (doutor Paulo e meus pais ficaram orgulhosos de mim e eu também...) Asa, Elena e Olívia.
Embora já tivesse amigos, ainda me sentia insegura. Não posso mentir e dizer que confiei em meus amigos rápida ou facilmente, pois os traumas de infância me perseguiam dia e noite e me faziam ser aquela adolescente com hábitos relacionais nada saudáveis (palavras do doutor Paulo, não minhas). Encontrar alguém com quem já tinha estudado na rua era quase um novo sofrimento, pois eu me sentia muito desconfortável. Sentia-me exposta e vulnerável e quase podia voltar à infância e sentir novamente todas as dores daqueles dias.
Doutor Paulo disse que eu precisava aprender a perdoar (ele também me aconselhava nas horas vagas), mas falar era fácil quando seu interior não estava praticamente clamando para se esconder em algum lugar até que a pessoa fosse embora. Eu não tinha controle sobre o que sentia quando via aqueles rostos, apenas sentia e abaixava minha cabeça como se assim pudesse me esconder dos olhares deles.
Foi exatamente assim que me senti quando reencontrei o Mateus. Eu já tinha meus 17 anos e estava voltando da consulta com o Doutor Paulo. Estava esperando o elevador do meu prédio chegar e como de costume ele demorava um pouco, até que escutei uma voz grossa balbuciar o meu nome, mas ao olhar para trás não vi um rosto conhecido sequer. Apertei o botão do elevador de novo, como se esperasse que aquilo o fizesse descer mais rápido e escutei de novo meu nome, mas dessa vez era mais perto. Quando me virei lá estava ele, com todos os seus 1,80 de altura, cabelo longo e uma criança do lado "Sou eu, o Mateus. Quanto tempo!" gaguejei que sim. Os meus músculos travaram e eu estava imóvel quando o elevador chegou "Não vai entrar?". Precisei fazer um esforço imenso para sair do meu lugar e entrar no elevador e ele perguntou qual era o andar e eu gaguejei que era o último. Bem ali o ar começou a ficar rarefeito e minhas mão suaram, meu coração acelerou como se eu estivesse correndo uma maratona até que escutei a voz da menina pela primeira vez "Oi, moça. Você é amiga do meu irmão?" e com um sorriso dividido ela me olhou com os maiores olhos do mundo "Você parece de duas cores". Me agachei com dificuldades e disse a ela que eu era de duas cores "É que eu não enxergo as cores direito" sorri para ela e disse que era normal e todo mundo nascia um pouco especial de algum jeito. Mateus olhou para mim com olhos de gratidão e quando me levantei perguntei o que ele fazia ali. "Somos a nova família do 303." apenas o olhei e pensei se Deus estava querendo me falar alguma coisa ou ensinar algo, pois não era possível que, com tantos lugares, ele se mudasse para o apartamento ao lado do meu.
Foram semanas de desconforto, até que doutor Paulo me disse que esse era um ótimo jeito de exercitar o perdão e me liberar dessa carga que havia em cima dos meus ombros. "Não há carga. Apenas quero me proteger" e ele perguntou "Então porque não fala com ele?" e eu disse que apenas não queria passar pelas dores de novo. E em meio a toda a minha resistência ele me disse: " Você está assim porque tem medo de perdoá-lo. Tem medo de se sentir desvalorizada daquela forma, mas não percebe que você se desvalorizava. A sua aceitação não depende dele te valorizar e sim de você mesma" e então eu desabei ali mesmo.
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Olá, pessoas!
Tudo certo?
De longe esse e o próximo são os capítulos mais difíceis.
O que acharam?
Já caíram ou ainda caem na armadilha da comparação?
Têm rotinas de cuidados consigo mesmas? Lembrem-se, amem e cuidem de si mesmas.
Se sentem desconfortáveis quando encontram pessoas do passado? Conte-me aqui sua história.
Lembre-se: o ser humano é o padrão ideal. Você é o padrão ideal.