"É lindo te ver assim. Se amando"

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Depois que entendi que eu era arte, tudo em mim mudou. Desde a forma que me vestia até a forma como via as pessoas. Eu era arte e elas também. Era escultura viva e modelada perfeitamente. Nada em mim era assimétrico ou desproporcional, na verdade era lindo e perfeito.

Há alguns meses inventei de fazer vasos de barro como hobby. Claro, não era fácil muito menos meus vasos ficavam perfeitos, mas relaxava depois que saía de um dia de trabalho estressante no hospital, pois por mais que fosse dentista, era cirurgiã e aquele trabalho fazia parte da saúde como um todo.

A arte para mim era como um escape e confesso que era tão relaxante quanto dormir no final de um dia cansativo. E como uma artista por paixão, eu era capaz de encontrar arte em tudo o que estivesse ao meu redor. Fosse no amanhecer, na flor com suas cores indescritíveis, no café recém passado, num dia de chuva, numa xícara de chá de camomila ou em mim.

Em minhas férias eu rodava o mundo em exposições de vários artistas e curadorias de famosos como Van Gogh, Michelangelo e Da Vinci. Roma, Nova Iorque, Itália, Londres e Paris eram os locais das minha exposições favoritas, pois havia arte na história daqueles lugares assim como na minha história.

Há certos dias minha mãe me convidou para um nova exposição em Roma de um artista que está crescendo na cidade e lá estávamos nós debatendo se eu deveria usar o vestido amarelo ou o vermelho. "Mãe, é uma exposição de arte e não o SPFW", mas ela simplesmente mandou e como eu era uma filha obediente fui com o vermelho.

Assim que chegamos no lugar onde seria a exposição fomos recebidas com espelhos de mão e uma bebida amarela de sabor adocicado que era digna de vários prêmios no Masterchef. Meia hora mais tarde bastante gente já estava no interior da galeria pronta para que começasse e depois o leilão ao final iniciasse para que pudessem finalmente ver o quanto as pessoas queriam os quadros da exposição "Umano". A orquestra iniciou suavemente Pas de Deux de Tchaïkovski e ali começou a melhor exposição que eu já pude ver em toda a minha vida.

Depois de vários minutos avaliando os quadros e esculturas do artista que eu sequer sabia o nome, cheguei em um que jamais havia pensado que poderia estar numa exposição. Era um buquê de girassóis, um all star amarelo e uma pessoa. Claro, seus traços não me eram estranhos, mas aquele tipo de pintura era simples demais, quase que infantil e, por mais incrível que parecesse, não destoava em tema das outras pinturas, mas sim em técnica. Algo nela me trazia nostalgia e quase um déjà vu de alguma parte da minha história.

Realmente, a exposição não deixou a desejar e como o próprio nome dizia, era o humano. Havia quadros e esculturas de pessoas em momentos de suas vidas demonstrando alegria, tristeza, perda, o simples ato de estar e de pessoas com diferentes tons de pele, inclusive os meus. O artista usava muito amarelo e aquilo lembrava o movimento vanguardista de Van Gogh e fazia o meu coração ficar um pouco feliz, pois era amarelo.

Vários minutos depois fomos todos ao salão onde haveria o leilão das obras. Claro, não era o meu momento favorito das exposições, mas ainda assistia (minhas partes favoritas eram as brigas. Precisava ver como as "dondocas" se atracavam apenas porque outra deu um lance mais alto). "Estou torcendo pela de laranja" minha mãe disse quando duas senhoras gritaram  uma com a outra pela escultura "Perfecto" e eu ri "Ela não está tão determinada. A de azul tem sangue nos olhos e um Louboutin nas mãos. Ela com certeza vai ganhar". Por fim a de azul ganhou e levou a perfeição para casa.

Naquele leilão em especial havia um quadro que eu aguardava. Sabia Deus como aquele quadro havia marcado minha história e quando ele veio ao palco, me preparei para dar o primeiro lance, mas um homem subiu e disse que aquele quadro não estava à venda. Alguns pessoas ofereceram algumas milhas de dólares, mas ele permaneceu irredutível. Algo nele não me era estranho, assim como o quadro, ele me trazia familiaridade, quase um conforto ao observá-lo movimentar a cabeça para os lados em sinal negativo e comprimir os lábios.

Levantei o meu número "Eu ofereço U$ 500.000.000." Minha mãe me olhou como se perguntasse como iria arranjar aquele dinheiro todo, mas eu sentia como se precisasse fazer aquilo. "Acho que fui bem claro quando disse que Anagrama não está à venda, senhorita". Aquele nome, único e singular, fez-me lembrar de tudo. "Se desejar ver mais da obra, aguarde até o jantar". Minha mãe agradeceu aos céus pelo quadro não estar à venda e me puxou para o salão onde haveria o jantar "Está louca? O que pensou que estava fazendo? Quer ficar sem seus rins?", mas eu sequer conseguia raciocinar direito, pois me lembrei.

Era como se tudo o que sentia por Anagrama tivesse voltado ainda mais forte no momento em que ele terminou de falar "Anagrama". Como assim ele era artista? Na Itália? E como eu fui parar logo alí naquela exposição? Assim que ele entrou, várias pessoas foram cumprimentá-lo e parabenizar pelo ótimo trabalho. Foram quase vinte minutos esperando para que todos acabassem e eu finalmente tivesse a oportunidade de dizer um mísero...

"Oi" ele suspirou. "Anagrama." ele sorriu e levantou uma sobrancelha "Camomila." comecei a perguntar como ele sabia daquilo, mas nem precisei terminar, pois ele cumprimentou minha mãe que estava do outro lado do salão conversando com a nova dona da perfeição.

Íamos começar a falar ao mesmo momento, mas paramos e avaliamos um ao outro. Eu juro que os olhos que me encaravam quando era pequena eram os mesmos que me encaravam naquele momento, cheios de expectativa e apenas aguardando o momento certo para dizer algo que sequer precisava de palavras. "Quer respirar um pouco?" ele perguntou me oferecendo um braço que eu não hesitei em segurar.

A noite estava fria e um vento gelado bateu nas minhas costas fazendo-me arrepiar e me perguntar o porquê de não ter trazido um casaco. Quando ele parou, nos encaramos e, novamente me perdi nos olhos de galáxia. Foram necessários vários segundos para que me recompusesse e meu estômago parasse de dar piruetas. "Você está diferente, Camila. O que aconteceu?" eu sorri e disse que a história era longa e, resumidamente, eu havia crescido e aprendido que eu preciso me amar antes de querer ser amada. Eu havia entendido a arte, O Artista e o amor Eterno por mim. "É lindo te ver assim. Se amando" eu não estava preparada para aquilo, por isso agradeci.

Quando imaginei amando-me, não  era exatamente daquela forma. Havia muito menos estardalhaço e glamour do que o esperado. Não havia tantas fotos expostas, modelagem ou histórias de superação sobre mim. Havia apenas eu alí, sendo a pintura que o Pintor desejava que eu fosse e amando ser quem eu era, do jeito que eu era. "Por diversas vezes imaginei como iriamos nos encontrar. Confesso que a realidade é bem diferente da expectativa, porque foi muito melhor".

Ele sorriu de lado e se aproximou com cautela, quase como se pedisse permissão para me tocar, e desenhou vagarosamente com o polegar a divisão de cores dos meus lábios, olhava-me como se eu fosse a obra de arte mais bela em suas mãos. Meu lábios queimavam onde quer que ele os tocasse e estávamos tão próximos que podia sentir seu hálito de menta. Eu fechei os meus olhos e ele perguntou "Posso Baciarti?", "Sì"...

Posso dizer que o vitiligo é meu amigo agora que fiz as  pazes com ele, pois ele me faz ser alguém especial. Além do mais, sei que fui pintada perfeitamente pelo melhor Artista de todos. Graças dou-O, pois fui  feita de forma especial e admirável.

Olá, pessoas!

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Olá, pessoas!

Chegamos ao fim de Camomila.

Obrigada por chegar até aqui e fazer nascer um sorriso em meu rosto.

Foi um prazer, inenarrável, compartilhar a história da Camila com vocês.

Aqui deixo o meu até breve e nos vemos na próxima!

Beijos e uma xícara de chá!

C A M O M I L A | Série SingularOnde histórias criam vida. Descubra agora