Nós construiremos uma memória com isso

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A primeira vez em que escutei sua voz, foi em uma manhã de uma segunda-feira no colégio, eu havia acabado de chegar atrasada e levada para a diretoria por conta de minha calça rasgada nos joelhos, que era proibida. Antes disso, eu apenas o observava no recreio junto ao seu grupo de amigos.


 Me deparo com ele na sala, e logo reparo em seu rosto inchado e seus dedos sangrando. 

Justo quando eu atraso perco uma briga dessas, pensei comigo.

-Você tem que voltar para casa e trocar essa calça, senão não poderei deixar você assistir a aula. -Fala a diretora

-Desde quando calça rasgada é proibida? -Retruca o garoto sem me dar direito de resposta

-Senhor Casablanca, acredito que já está muito encrencado para se intrometer em assuntos alheios. - Diz a diretora e seu nervosismo fica evidente

Enquanto os dois se encaram, tenho a brilhante ideia que irá sanar o meu problema temporariamente.

- Mas por enquanto será que poderia assistir aula assim? Juro que não virei mais com essa calça- Falo séria me virando para a diretora, que vê os rasgos dos joelhos da minha calça preenchidos com fita crepe.

A sala que estava em silêncio, se enche com a risada do garoto, que logo fala:

-Você é genial, aliás qual o seu nome?

Quando me viro para falar a diretora interrompe: -Apenas por hoje, e só porque sei que suas notas são as melhores, mas vou te dar uma advertência.

Aceno com a cabeça, feliz por não ter que voltar para casa e quando estou saindo da sala da diretora para a sala de aula me viro para ele e falo:

-Carol, e a propósito, melhoras para esses machucados - Digo sorrindo

-Quando estou a dois passos da porta, ele grita:

-Você não perguntou mas, meu nome é Juan!!

Foi assim que eu soube o seu nome, sem nem mesmo perguntar. Ao chegar na sala sinto minhas bochechas ruborizadas, e o que deveria ser um momento estressante se transformou em um lindo dia, e finalmente não passei despercebida por alguém que sempre observei.

No recreio minhas colegas me deixam a par da briga que houve entre os alunos do terceiro ano, dizem que brigavam porque um dos caras estava conversando com a namorada de outro.

-Aparentemente o bonitão do terceiro ano deu em cima da namorada de um colega e boatos que até chegaram a se pegar, então o namorado traído descobriu, e foi para cima dele com mais um amigo. - Diz uma das meninas

E ao falar bonitão já pude saber de quem estavam falando, o menino que encontrei na diretoria, era o mais bonito que já vi por essa escola, não é à toa que todo o recreio o acompanho silenciosamente com os olhos como se fosse minha paixão platônica. Mas não imaginava que ele fizesse esse tipo, estou decepcionada.

-Ficaram sabendo da festa no rancho que os meninos estão organizando? - Diz Ana uma de minhas amigas mais próxima.

-Quando? - Pergunto para participar da conversa.

-Nesse sábado à noite, vamos Carol? Por favor, você está me devendo uma. - Diz Ana fazendo biquinho, ela sabe que não me sinto confortável em festas desse tipo

-Vamos ver, te mando mensagem até amanhã à tarde se eu me decidir. -Digo enrolando.

Ao acabar a aula sigo para meu estágio sem tempo de ter um almoço digno, todos os dias desde que comecei essa rotina maluca meu almoço se resume a salgados ou até mesmo a nada no fim do mês, meu dinheiro do estágio vai em parte para a mensalidade do cursinho e a outra parte vai para minha poupança . Estou farta de todo maldito dia ser cada vez mais insuportável que o outro, mas mantenho as esperanças que eu seja recompensada no futuro por meus esforços.

Trabalho como recepcionista de um escritório de advocacia, o melhor é que posso fazer minhas tarefas enquanto estou lá, é muito sossegado meu expediente e meus chefes são ótimas pessoas. Eu não diria sorte, porque não acredito nela, mas tive uma oportunidade de ouro ao ser escolhida para trabalhar nesse escritório estando ainda no ensino médio.

Já são sete da noite quando chego no cursinho tento não cair de sono, então fico pensando no que aconteceu na escola hoje cedo e em como estou ridiculamente gostando de alguém que mal me olhou uma vez. A aula passa em questão de segundos e percebo assim que o sinal toca, que eu não havia pensado em nada mais além de seus cabelos pretos e suas palavras dirigidas a mim, patética.

 Eu havia me tornado uma garota patética, e minha única dignidade no momento era que felizmente ninguém é capaz de ler os pensamentos alheios, eu acho.

Ao sair do cursinho me dirijo ao ponto de ônibus torcendo para que, não esteja lotado ao ponto de não ter mais assentos, então um dos vários carros que passam para ao meu lado, e inicialmente não me preocupo em ser sequestrada ou nada do tipo, mas quando ouço as seguintes palavras dirigidas a mim, eu paro e congelo.

- Carol? Quer uma carona? - De repente grita Juan do banco de trás do carro. Esse menino tem sérios problemas em falar em tom baixo.

Eu congelo porque, um dos fatos sobre mim é que vivo ansiosa, qualquer mínimo detalhe não planejado me faz sentir calafrios, porque simplesmente não consigo lidar com nada sem me achar uma completa idiota sem roteiros pré programados. Mas tento disfarçar, passar uma imagem de alguém inseguro também seria um erro inconsolável para mim.

-Oi, quero sim se não for problema. - Falo abrindo meu melhor sorriso, em pânico interno.

A porta do carro se abre, e me deparo com Juan e outro rapaz no banco do lado do motorista e uma mulher dirigindo. Conto mentalmente para me acalmar.

-Essa é minha mãe e meu irmão caçula, acho que você deve estudar com ele no cursinho. - Diz Juan

Falo oi para todos e afirmo positivamente com a cabeça, estudo com seu irmão, e me pergunto qual a necessidade de seu irmão caçula fazer cursinho ainda tão jovem. Então a mãe de Juan pergunta:

-Já sabe para o que vai prestar Carol?

-Não senhora, estou analisando o mercado de trabalho para escolher o curso mais valorizado.- Falo com sinceridade.

-Garota esperta você. - Ela diz dando um breve sorriso para mim no espelho retrovisor.

-Meu irmão quer ser médico, assim como meu pai. Eu particularmente acho que é só pelo dinheiro, mas ele diz que é por amor. - Diz Juan levantando as mãos para se defender enquanto seu irmão lança um olhar ameaçador

Eu rio junto com sua mãe.

-E você já se decidiu? - Pergunto tentando puxar assunto.

-Eu vou fazer Direito, e em um futuro não tão distante ser delegado. E quem sabe depois de enjoar da profissão tentar carreira como Juiz - Diz ele todo orgulhoso, até me convencendo que poderia ser fácil, mas de certo modo entendo que por mais que eu não tenha sonhos que são muito mais do que eu possa imaginar ou conseguir, as pessoas tem. 

Quando foi que comecei ver a vida de forma tão amarga assim? 

Foi por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora