Enquanto os dias passam a noite está em chamas

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SEIS ANOS DEPOIS...


Tudo acontece em questão de segundos, e sabe aquele papo de que você vê sua vida passar como um filme quando você está próximo a morte? É mentira.

Está anoitecendo, escuto gritos abafados pelo barulho da chuva. Carros buzinando e o fogo que, em contraste com a chuva fica selvagem, como se não quisesse ser apagado e triunfasse sobre a desgraça dos outros. 

Minha cabeça doí, e não entendo de primeira o que está acontecendo com todo aquele barulho, até que olho para o meu lado e meu coração para por um milésimo de segundo, não são gritos, são sirenes cada vez mais perto.

Minha vida não passa como um filme, porque aqui não é minha vida que está em jogo. É véspera de natal, eu me ofereci para ir dirigindo, mas Juan insistiu para mim ir apenas de carona, íamos apenas comprar alguns presentes para o jantar em família com seus pais, por insistência minha. Está tudo girando ao meu redor, e posso jurar que minha cabeça sangra, mas estou bem.

Eu me desvencilho do cinto de segurança, tento acorda-lo e sinto as lágrimas correndo quentes em meu rosto. 

Não é justo. 

Porque está acontecendo agora? Essas perguntas se repetem na minha mente como um circulo vicioso enquanto tento acorda-lo. Juan está perdendo muito sangue pela artéria femoral e mesmo tentando estancar, eu não consigo.

Um milhão de pensamentos me atingem enquanto tento parar todo sangue, agora estou ocupada demais para chorar ou começar a surtar, tudo que quero é que isso acabe logo, tudo o que eu quero é uma segunda chance por nós. e

Estou tentando salvar o homem da minha vida, e pela primeira vez em muito tempo não estou pessimista com uma situação, porque não posso perde-lo, nem sequer me passa pela cabeça um mundo sem Juan, sempre falei que eu preferiria morrer primeiro.

Não posso te perder, eu te deixei entrar em minha vida, e você não pode se dar o luxo de sair dela, assim como meu pai. Eu sinto que não consigo continuar sem você. E quando toda dor atinge minha estrutura, eu tenho a necessidade de dizer que te amo por todos os dias da minha vida, ainda.

A equipe de pronto socorro finalmente chega, e eles me tiram aos berros do carro, eles não deveriam focar em mim, eu estou bem. Eu peço para se concentrarem em Juan, eu grito com todas minhas forças para que ouçam em meio aquela chuva, eu não deixo com que me levem para ambulância, então dois pronto socorristas tentam me mobilizar, e ao perceber o olhar de piedade do pronto-socorrista é como se eu saísse da orbita terrestre por um segundo, e implorasse com todas minhas forças para algum deus, que me levasse junto. 

E antes de desmaiar, ouço as palavras mais dolorosas que ouvi em toda minha vida.

-Eu sinto muito.- Diz ele.

Quando eu acordo, na cama do hospital procuro rapidamente por seu rosto, e encontro apenas minha mãe e meu irmão no quarto. Lágrimas começam a rolar de meus olhos sem controle, eu apenas não consigo acreditar. Minha mãe tenta me abraçar, mas me esquivo com muito sacrifício, faço sinal em direção à porta.

-Vão, me deixem sozinha. -Digo desolada  

Somos tão insignificantes diante da imensidão desse universo, mas mesmo em minha insignificância eu me permiti te amar, eu me dei a chance de tentar ser feliz. Mas tudo foi tirado de mim novamente, e essa dor é muito maior de que a dor de estar sozinho, pois agora eu sei o que é o amor, e também sei que nunca mais vou vê-lo ou senti-lo . Você foi a parte mais bonita da minha vida, sinto como se minha historia só tivesse começado a partir do momento em que te conheci. Havia tantos planos, você tinha tantos sonhos e a vida ou seja já quem tirou tudo isso de nós.

Quando meu pai partiu, eu perdi meus sonhos. Mas agora que tu partistes também, eu sou como um emaranhado de quebra-cabeças que não podem ser montados.

Os médicos me informam que tive hemorragia interna pela força da batida, e que no meio da cirurgia tive uma parada cardíaca. E penso que talvez alguma espécie de divindade ouviu minhas preces e pelo menos tentou me levar a encontro de Juan, depois de todo o procedimento eles me encaminham para um psiquiatra, na qual eu me recuso a ir. Estou com as malas prontas para ir pra casa, mas não esta nada bem. 

Minha mãe e meu padrasto me buscam, e eu corto todas as tentativas deles em falar comigo. Eu preciso de um tempo, não sei o quanto e também não sei se será o suficiente para reparar esse abismo que se forma em meu peito.

Quando chego na casa de minha mãe, me cai a ficha que não voltarei tão cedo para nosso apartamento, tínhamos planejado tudo dos tapetes até os móveis. Eu entro em meu quarto e fico lá, esperando que o tempo passe.

Todos em casa se revezam em levar as refeições para mim, já se passaram duas semanas que não saio de meu quarto. Até que ouço a porta se abrir, e minha mãe entrar puxando as cortinas e acendendo as luzes, ela nunca foi muito graciosa e suas intenções motivacionais pecam na abordagem.

-Já passou da hora de você levantar dessa cama Carol, você ainda é jovem.-Diz ela

-Jovem o suficiente para ter tempo de sobra .-Eu digo porque minha mãe é a ultima pessoa com quem eu gostaria de conversar.

-Mas você tem muita coisa para resol...- Ela não completa a frase porque eu a interrompo

-Por favor.- Eu suplico.

Vejo Alan no canto da porta como sempre fazia quando precisava de algum favor meu antigamente. Mas agora ele já é um homem completo, um advogado criminal brilhante com uma carreira promissora, além de ter conservado sua aparência juvenil que o faz parecer um modelo vestindo seu terno preto. 

-Mãe, deixa que eu cuido disso.

E então minha mãe sai com semblante chateado, mas eu não ligo. Alan entra e fecha a porta atrás de si, já me preparo para manda-lo embora também.

-Você sabe que não pode continuar assim para sempre, mana.- Diz ele com a voz sem julgamentos.

Eu apenas aceno com a cabeça.

-Quando papai morreu fui eu que o achei, sabia? Eu lembro dessa cena por todos os dias desde aquele momento e receio que vou me lembrar pela vida inteira. Eu me culpei durante um bom tempo por sua morte. Se eu tivesse notado o quão ele estava mal, se eu ao menos pudesse ajuda-lo. - Continua ele, e vejo a lágrimas rolarem. É a primeira vez que vejo meu irmão chorar.

Eu choro junto, porque nunca havia pensado no quanto Alan sofreu e durante todo esse tempo ele vestiu essa armadura impenetrável fingindo ser um babaca egoísta, e eu fui tão má com ele...

-Me desculpe.- Digo entre soluços abraçando-o.

-Você não pode desistir, porque você é minha metade, entendeu? Não digo que vá superar, mas continue em frente, tenha um propósito, porque a partir de agora você pode se apoiar em mim, assim como eu me apoio em você. - Diz ele, mais como uma suplica.  



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