Superfície - Parte 2

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Luce saiu pela porta dos fundos do restaurante. Não sabia porquê, mas sempre se sentira mais confortável nos fundos desse tipo de estabelecimento. Sem falsidades, sem fingimentos.

Como sempre trabalhou em cargos pequenos, conhecera de perto como funcionamento do comércio se estrutura. Na frente, as melhores cadeiras, as melhores músicas - até o melhor tipo de ar, tudo de bom para que o cliente fique feliz e pague melhor.

Nos fundos? Ninguém liga pros fundos. É onde os funcionários se viram. É onde deixam o lixo, limpam suas roupas sujas de molho ou até deixam seus filhos brincando, sem recursos para pagar uma creche.

Luce parecia ter tanto medo do luxo, do poder - de ser uma princesa - que se apegava à vida de plebeia com todas as forças que tinha.

Não importa em que realidade estivesse.

Ouviu os passos de Giullian atrás de si. Seu coração acelerou junto com seu ritmo.

"Luce! Como você é rápida!" Exclamou, bufando. Quando a alcançou, apoiou-se em seu ombro.

Luce nada disse.

Giullian esperou se acalmar um pouco para continuar:

"Eu sei que esta é a coisa que eu mais pergunto desde que chegamos aqui, mas... Você está bem?"

A Lebre sentiu vontade de responder, mas não o fez - sentiu que começaria a chorar.

Giullian a encarou por alguns segundos, esperando uma resposta. Luce sentiu seu rosto queimar.

Ela inspirou fundo. "Eu não quero que você vá."

A expressão de Giullian suavizou-se, compreendendo. Por alguns segundos, não soube o que falar. "Olha, Luce... Desculpa, eu..."

"Eu sei. É egoísta mesmo. Você merece esse sucesso, ninguém pode te prender. Também sei que não tenho moral nenhuma pra te pedir nada, não fui a pessoa mais presente do mundo esses últimos anos, eu..."

"Luce." Ele a pegou pelos ombros. "Você esteve em uma situação extremamente delicada. Você precisava do seu espaço e do seu tempo, não se culpe."

Ela mordeu os lábios. "Me sinto culpada sim, Giullian, por que eu sempre quis estar perto de você."

Giullian corou.

"Lembra? Quando a Lana te arrastou pra perto de mim quando eu estava doente e queria te conhecer?" Ela disse, sorrindo e lacrimejando. "Essa, provavelmente, foi a única coisa que não mudou de lá pra cá."

O rapaz ficou sem reação. Luce sabia que isso aconteceria.

"Não precisa falar nada, Giullian. Eu não quero que você fale nada." Ela estava exausta de ouvir consolações. "Nem espero que você fique por mim, ou que me retribua. Só... Vai parecer patético, mas... Eu quero que você me abrace."

Luce abriu os braços. "Por favor. Eu preciso de você."

Giullian a abraçou. Luce agarrou suas costas, tentando guardar a memória de seu cheiro. "Eu vou sentir sua falta."

Ele enterrou a cabeça em seu cabelo. Não queria fazê-la sofrer mais. Não agora que ele não estaria presente.

"Eu também vou."

"Ah... Ghunter?" Começou Lana, encarando a mesa.

"Hm?" Incentivou Ghunter, sentado na cadeira à vontade até demais.

"Naquele dia, no Casamento vermelho... Em que eu invadi a mente da Alice..."

"E o Pan se matou e levou aquela lá junto. Sei."

Lana disparou de uma vez. "Eu tive acesso às suas memórias."

Um longo silêncio se estabeleceu entre os dois. Ainda de cabeça baixa, Lana sentiu o pesado olhar de Ghunter em sua direção.

"Você o quê?"

A Lagarta engoliu à seco, erguendo o olhar. Ele parecia estar controlando muito um ataque de fúria.

"Eu não vou mentir, Ghunter: eu tive opção. Eu podia ter saído da mente de Alice, mas eu escolhi ficar e ver a sua."

O Gato parecia se arrepiar de indignação.

"Não estou falando que o que fiz foi certo. Mas eu honestamente não me arrependo." Lana relaxou. Segredos a sufocavam. "Não me arrependo, porque, se não fosse por isso - se eu não tivesse visto as coisas pelo seu ponto de vista, jamais teria conseguido forças para voltar. Encarar a situação como estava."

Ghunter suspirou, revirando os olhos. "Uma situação sem o Carl."

Com a garganta seca, Lana confirmou. "Uma situação sem o Carl."

Ghunter a analisou por mais alguns minutos. "Então... Você viu tudo."

"Sim."

"Você sabe de tudo."

"Sim."

Os ombros de Ghunter murcharam. Sempre guardara, lá no fundo, uma vã esperança de que Lana só não o estava enxergando como algo mais por causa de seu luto.

Mas ela sabia. Ela sabia o tempo todo, e não reagiu.

Por falta de interesse.

Ele bufou.

"Bom... Acho que essa viagem do grupo circense veio a calhar na melhor hora, não?"

Lana entristeceu-se ao ver sua expressão de desgosto.

Sentiu vontade de falar algo, mas não o fez. Não era um bom momento. Ele estava indo embora de qualquer jeito.

"Creio que sim." Ela assentiu.

Foi quando aconteceu um apagão dentro do restaurante.

"Mas o quê...?"

As luzes se acenderam com a mesma facilidade que se apagaram. Os clientes e os garçons não estavam mais ali.

Apenas Lana, Ghunter, Luce e Giullian.

Os dois últimos estavam em pé, abraçados. Demoraram para perceber que o cenário havia mudado.

"Como... Como nós viemos parar aqui dentro?"

Lana se levantou. Conseguia sentir a magia flutuando no ar.

Oh, há quanto tempo não usava seus poderes.

"Quem está aí?" Interrogou, autoritária. Não estava gostando nada daquilo.

Foi quando, de imediato, um portal grande e ensurdecedor brotou em sua frente. Ele sugava tudo para dentro dele - as mesas, as cadeiras, a louça - tiveram de se segurar na parede para não voarem junto.

Uma voz forte e poderosa soou.

"Vocês, a Lebre, os Gêmeos, o Gato Risonho e a Lagarta Azul, estão sendo convocados de volta ao País das Maravilhas pelo Parlamento."

"Parlamento?" Interrogou Luce no meio da ventania, abismada. Sua mão, agarrada à bancada do bar, foi escorregando até soltar.

Foi sugada pelo aparente tufão.

"LUCE!" Desesperados, Giullian e Lana se soltaram para segui-la.

Ghunter revirou os olhos. "Droga!" Murmurou, se jogando também. "Droga, droga, droga!"




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Vocês acharam que eles não voltariam, né? huehuehuehue GOT YA

A LagartaOnde histórias criam vida. Descubra agora