Hora do Chá

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Até Lana se assustou com a própria atitude. Era sempre tão calada, tão contida... Engolira todas as injustiças cometidas pela Rainha, sua Corte e a guarda de Copas até agora, sem revolta...

Achava ser capaz de conter seus próprios sentimentos. Mas ver o Chapeleiro em prantos... Ver a pessoa mais forte que já conheceu ceder assim... Fora seu estopim.

Sempre vira o Chapeleiro como um exemplo a ser seguido. A lógica era essa: se ele perdeu o controle, eu também posso perder. A fúria tomou conta de si antes que pudesse pensar no que estava fazendo.

O nome real do Chapeleiro era Carl. Lana conhecia Carl desde criança. Assistira o rapaz desenvolver suas defesas, seus pensamentos... E sabia que a única coisa que o ligava à realidade, que o motivava a seguir em frente, tudo com o que ele sempre se importou foi sua família. Seus irmãos sempre foram sua vida.

Quando viu Carl sendo rastejado sozinho, Lana sentiu uma dor profunda no peito. Uma dor que não se permitia sentir há muito tempo.

'Droga.' Pensou Lana. 'Empatia é uma fraqueza.'

E havia lutado tanto para não senti-la mais...

Tinha medo que Carl, desta vez, definitivamente se entregasse à loucura.

A Lagarta assistiu o Chapeleiro ser jogado aos pés da Rainha. Teve o impulso de correr para ajudá-lo, mas os braços de ferro de Giullian continuavam ao seu redor.

As lágrimas embaçavam sua visão. Temia pelo o que poderia acontecer a Carl. Ele não teria mais forças para entreter a Corte... Ou não ia aguentar e acabaria direcionar seu ódio à Rainha...

Em qualquer das duas alternativas, a morte era certa. E Lana não estava disposta a aceitar isso.

"Giullian..." Sussurrou Lana. "Ele não pode morrer."

"Ele não vai." Assegurou.

Carl ainda estava de bruços no chão. 'Levante-se.' Rezava a Lagarta. 'Levante-se!'

Victoria o olhou com desprezo. Mexeu o rosto do Chapeleiro com seu pé.

"Chapeleiro...?"

Lana ouviu risadinhas em coro, puxadas pelo tal guarda de Ouros. Sentiu vontade de socá-lo.

"Hm. Todos perdem sua energia algum dia. Fora com a cabe—!"

"Carl!!" Guinchou Lana, na tentativa de fazê-lo voltar à realidade.

E em um movimento muito rápido, Carl se levantou e sorriu de forma radiante.

Lana quase caiu no chão de alívio. "Eu disse," sussurrou o contador de histórias. "ele nunca te deixaria."

Carl preencheu o silêncio do salão com uma risada deliciosa. Sim. O seu Chapeleiro Maluco havia voltado.

Ele batia palmas enquanto sapateava. "Rainha Victoria! Minha querida, senti mais falta de você do que sentiria de minha chaleira a navegar!" E completou a sentença com uma exagerada referência.

Do jeito que Victoria gostava. Entortando o nariz, apontou o leque em sua direção.

"Claro que sentiu. Vamos, vamos, sirva o chá. Meus súditos lhe aguardam."

O Chapeleiro rodopiou, cantando melodias desconhecidas.

Lana finalmente sentiu as mãos de Giullian largarem sua cintura. Ela se endireitou e arrumou seu vestido. Não havia nada a temer, por enquanto.

Voltaria a interpretar seu papel, talvez com a mesma perfeição que Carl.

As atrações voltaram aos seus afazeres com êxito. Lana "lia" o futuro de alguns, acrescentando sempre efeitos excêntricos como ventanias e explosões de fumaças azuladas; Carl dançava e fazia piadas sem sentido incessantemente; Giullian recitava estrofes de poemas de forma aleatória.

A LagartaOnde histórias criam vida. Descubra agora