Como o primeiro capítulo teve uma resposta muito boa, decidi publicar dois capítulos hoje, o capítulo dois e o três. Boa leitura =D
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Algumas horas depois, Raul e eu tínhamos tomado banho e jantado. Como não tínhamos nada para fazer e todos já haviam ido dormir, decidi ficar assistindo televisão até tarde. Eu tinha esquecido de trazer um livro para ler, um erro imperdoável. Nunca gostei muito de televisão, e não tinha nada de interessante passando naquela hora. Eu estava quase cochilando quando senti alguém se sentar do meu lado. Era Raul.
- Cara, o que você está assistindo? - ele perguntou, penteando os cabelos. Usava um pijama azul ridiculamente infantil, mas que ressaltava a cor de seus olhos.
- Nada, estava quase dormindo. Nem sei que programa é esse.
Ficamos em silêncio por algum tempo. Acho que aquilo era um filme, pois parecia ter sido dublado. As luzes estavam apagadas e nossa pele adquiriu um tom azulado por causa da luz da televisão.
Foi então que eu tive uma ideia.
- Acha que todos estão dormindo? - perguntei.
- Sei lá - ele respondeu, desinteressado.
- Olha, eu sei que já te contei essa história do nosso avô falar sozinho no escritório e...
- Desculpa, João, mas eu não estou a fim de um momento nostálgico. Na verdade, tudo o que eu queria era uma boa partida de Tekken. E, a não ser que você tenha trazido seu Xbox escondido na mala, eu não estou nem um pouco interessado em interagir com você no momento.
Suspirei.
- Essa condição pode mudar?
- Você trouxe o Xbox?
- É sério, cara.
- Também estou falando sério - ele deu uma risadinha. Eu odiava os momentos em que Raul ficava bravo comigo. Tenho certeza de que foi por causa de hoje à tarde. E eu não o culpava. Mas o que eu tinha em mente era muito excitante para deixar o mal humor típico dele me abalar.
- Olha, eu quero bisbilhotar o escritório do nosso avô.
Raul cerrou as sobrancelhas ruivas e lançou um olhar furtivo para a porta trancada do escritório.
- Como pretende entrar lá? Que eu saiba, está trancado desde que ele morreu.
- Tem que ter uma chave do escritório em algum lugar dessa casa. A vovó sempre andava com uma cópia, minha mãe me disse. Agora deve estar no quarto dela.
- E você tem coragem de entrar lá?
- Por que não? - dei de ombros - Ela não está lá mesmo.
- Como você é insensível - ele rebateu. Mas eu sabia que ele já tinha aceitado o plano, só estava criando empecilhos para me irritar - E se ela virou um fantasma?
Ignorei Raul e fiquei de pé. Apertei o botão de mudo da televisão e tentei ouvir vozes. Não ouvi nada. Todos estavam dormindo. E isso era mais do que perfeito.
Chamei Raul com um gesto e ele chegou mais perto. Estávamos bem na porta da sala, que dava para o corredor. O antigo quarto da minha avó - e, consequentemente, antigo quarto do meu avô - ficava no fim do corredor, escondido por uma porta escura de madeira. O chão também era de madeira (quase tudo naquela casa era feito de madeira), e eu estava me esforçando muito para não fazer nenhum barulho, mas isso não parecia ser importante para Raul, que fazia a casa gemer sob seus pés.
Pedi silêncio com um gesto, e lentamente cheguei mais perto da porta do quarto de minha avó. Abri a porta com todo o cuidado possível, sem ter a mínima intenção de acordar alguém. Para minha felicidade, a porta não rangeu, e Raul e eu escorregamos para dentro do quarto.
Tateei no escuro em busca do interruptor, mas Raul o encontrou antes de mim. Ouvi o clique e então o quarto foi tomado por uma luz amarela pálida. Aquela lâmpada era horrível.
O quarto de minha avó era realmente assustador. Digo, toda a mobília era escura, e os armários estavam abertos. Dei uma boa olhada e estava tudo vazio. Nenhuma peça de roupa, nenhum sapato, nem toalhas. Não havia muita coisa sobre o criado mudo além de um abajur antigo e um porta-joias vazio.
- Você sabe como era a chave? Tem alguma ideia de onde pode estar? - perguntou Raul num sussurro rouco.
- Eu sei que minha avó a usava num colar junto com outra chave - respondi - as duas chavinhas eram douradas e bem pequenas, servindo de pingente.
De repente, Raul parecia petrificado. Me observava com olhos azuis congelantes e uma expressão indecifrável.
- O que foi? Tem um fantasma atrás de mim? - Desdenhei.
- Pior que isso. Cara, você devia ter dado uma boa olhada na vovó antes dela ser enterrada. Você é o especialista em roubar objetos de cadáveres aqui.
Senti um calafrio percorrer minha espinha e repeti a palavra não dentro da minha cabeça cerca de um bilhão de vezes em menos de um segundo.
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ICARUS
Roman pour AdolescentsRaul sabe jogar futebol, João tenta. Raul é bonito e popular, João se esforça para não chamar atenção. Raul tem uma personalidade dramática e energética, João é reflexivo e recluso. Primos, criados juntos desde a infância, João e Raul nunca se impor...