Capítulo 8 - Eu vejo uma pintura

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De manhã, no sábado, minha mãe anunciou que iríamos a uma pizzaria com a família do sócio do meu pai. Perguntei se Raul poderia ir também.

- Não, Jô. Sinto muito. É uma coisa de família.

- Raul é meu primo.

- Sim, não seu irmão.

- Amor, deixe o João levar o Raul.

- Okay, okay! Leve o garoto, se você insiste.

Depois disso, minha mãe discorreu sobre que roupa eu devia usar (nada de calças rasgadas nem camiseta de super-herói), o que fazer com o cabelo (deixe as tranças presas num rabo de cavalo, favorece seu rosto) e como me comportar (eles têm duas filhas de 15 anos, se comporte. Lembre-se de tentar conversar com o garoto, ele tem sua idade).

Tentei parecer casual. Vesti uma calça jeans preta lisa e uma camisa azul clara com estampa de cactos minúsculos, abotoada até o pescoço. Finalizei com um par de All Star completamente pretos de cano alto. E, claro, o anel de meu avô, numa corrente debaixo das roupas. Quando desci para a cozinha, meu pai fez um joinha, mas minha mãe me mandou pegar uma blusa de frio.

Raul chegou em casa completamente arrumado, apesar de que uma pessoa de fora talvez pudesse pensar que ele apenas houvesse tirado a primeira roupa do armário. Usava calça jeans preta e uma blusa de manga comprida cinza escura. Os cabelos ainda faiscavam, ruivos, bagunçados. Milimetricamente e intencionalmente desarrumado.

- Vamos socializar com os humanos – ele disse.

Sorri para Raul. Desde que eu havia recebido a notícia da morte de minha avó e toda a história do funeral, sentia que Raul e eu estávamos numa sintonia estranha. Agora, as coisas pareciam voltar ao normal, ainda que devagar. Naquele momento, senti vontade de conversar com ele sobre o que estava pensando no outro dia. Meu pai nos chamou para sair assim que a ideia me ocorreu.

Primeiro, a aventura.

A viajem de carro até a pizzaria não demoraria mais do que 10 minutos, e confesso que eu estava nervoso. Não sou uma pessoa extrovertida, só tenho dois amigos – um deles é meu primo, ainda por cima – e não sei como a família desse sócio do meu pai é. Sempre fui uma criança estranha, meu senso de humor não é como o das outras pessoas e geralmente os outros riem de mim, não comigo. Além disso, Raul provavelmente só é meu amigo por que me conheceu muito cedo e agora é tarde demais para me dispensar.

Como se lesse meus pensamentos, Raul tirou o celular do bolso, abriu o bloco de notas e escreveu alguma coisa. Me mostrou o celular.

De 0 a 10, o quão nervoso seu pai vai ficar se colocarmos a música da goiaba para tocar na televisão da pizzaria?

Tive que conter o riso. Da última vez em que havíamos ido comer fora, eu descobrira que meu celular se conectava à Smart TV da pizzaria. Assim que contei para Raul, ele imediatamente colocou Nyan Cat e A Lua me Traiu para tocar. Eu o impedi de colocar o gemidão do whatsapp. Minha mãe achou engraçado, meu pai, nem tanto.

Levantei sete dedos para Raul, que riu alto. Meus pais interromperam a conversa deles para nos falar sobre as pessoas que conheceríamos.

- Raul e João, Caio é meu sócio há quatro anos. Trabalhamos juntos em vários projetos e somos amigos. Por favor, não façam nenhuma bobagem. A mulher dele, Ana Carolina, é um pouco... séria. Tentem não dizer nenhum palavrão ou grosseria por perto dela. Eles têm filhas gêmeas, de quinze anos, se não me engano são Rafaela e Daniela. Não são idênticas. Ícaro é o garoto, tem 17 anos também.

ICARUSWhere stories live. Discover now