Já passava das dez horas da noite, a porta da pousada estava fechada e antes de se dirigir à ela, Kennick observou a rua, com o intuito de ver se havia alguma movimentação perto da entrada. Pensou que se fosse visto daquele jeito, maltrapilho, sujo e ensanguentado, as pessoas logo fariam um escarcel e as coisas poderiam acabar da pior forma possível para ele. Muito provavelmente seria interrogado, acusado de algo e levado às autoridades. Portando, achou melhor esperar um pouco.
Não vendo movimento algum na pousada, nem de entrada, nem de saída, julgou que era seguro entrar. Bateu três vezes na porta com o punho fechado, poucos segundos depois, uma portinhola em formato retangular foi aberta. Cilian, a funcionária de Lenil, ainda estava cuidando do atendimento e, ao ver quem batia na porta, destrancou alguns ferrolhos e abriu apenas a parte esquerda da entrada para que o Lied pudesse passar.
A moça se assustou ao ver o estado de Kennick. Sua expressão ia do espanto ao medo e quando pareceu estar prestes a gritar, Kennick a impediu no mesmo instante, tentando acalmá-la de alguma forma.
— Está tudo bem, Cilian. Não se preocupe. — Disse o rapaz segurando o lado do corpo, de onde pingava gotas de sangue misturada com água da chuva. Uma enorme mancha vermelha indicava onde estava o ferimento.
— O que houve, Senhor Kennick? — Perguntou a moça, insegura se devia se aproximar ou não do rapaz ferido à sua frente.
— Uma tentativa de assalto, longa história. — Fez um gesto com a mão como quem quer dispensar uma idéia que não podia ser explicada de imediato. — Lenil está? acho que preciso de uns pontos aqui.
— Meu senhor Lenil já está em seus aposentos. Ele disse que como tudo estaria calmo por conta da chuva, iria tentar dormir mais cedo. — A moça decidiu se aproximar do rapaz. — Mas eu posso cuidar disso se o senhor preferir. Só vou pegar algumas coisas para o curativo e... — Kennick nem sequer deixou-a terminar de falar e já dispensou a gentileza da moça.
— Não se incomode. Você está na recepção agora e eu não quero te colocar em problemas. O corte não é fundo, eu mesmo posso tratar dele. Na minha mochila tem várias coisas que eu posso usar — Em seguida, apontou para o paínel atrás do balcão. — Só preciso da chave do quarto, por favor.
Sem saber exatamente o que fazer ou falar, a moça concordou, acenando com a cabeça. Entregou a chave ao rapaz e com certa dificuldade, Kennick subiu os dois lances de escada, deixando pequenas manchas de sangue por onde passava.
Já dentro do quarto, quase não percebeu que a reforma também passou por ali. O quarto ainda era simples, com uma cama grande o bastante para duas pessoas, uma mesa com três cadeiras enconstada na parede oposta e um cabideiro junto à janela. O rapaz sorriu ao ver que pouca coisa mudara desde sua última estadia. Embora o quarto estivesse praticamente da mesma forma, as coisas eram novas.
Até mesmo a grande janela de madeira parecia ser outra. Estava fechada por conta da chuva e como ali era um lugar alto, dava até para ouvir lufadas de vento lá fora com borrifos de água gélida açoitando o vidro da janela fechada.
*
Vários minutos depois, kennick estava sentado em uma das cadeiras quando ouviu batidas na porta. Se sentiu um pouco irritado, pois tinha dito à Cilian que não precisava de ajuda. Porque a moça insistiria em deixar a recepção vazia para ir cuidar dele? Lenil poderia culpá-lo por isso e pior, podia repreender a pobre moça pela irresponsabilidade.
— Entre. — Kennick falava com a voz firme, como se já estivesse decidido a dispensá-la. — Escuta, eu agradeço a sua preocupação, mas...
A voz do rapaz morreu exatamente no mesmo instante em que seus olhos viram quem entrara em seu quarto. Aquele cabelo longo e negro, a pele branca, tão clara como era em sua memória e aqueles olhos castanhos vivos e dançantes eram simplesmente inconfundíveis. Era Lori.
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Inevitável
AcciónApós o desaparecimento de seu mentor. Um jovem Lied parte à sua procura e antes que ele perceba, está envolvido no passado do homem que o criou e o treinou. Um passado de sangue, mentiras e guerras. E é o passado de um homem que ditará o futuro de o...