Os homens sabiam que eu era novato nesse mundo de crimes, então eu poderia ser pego facilmente. Por isso eles optaram por me disfarçar, para que o lobo mau não me pegasse, eu seria o Capuz Vermelho. Batman era o lobo mau que poderia me pegar e me prender, coisa que eu não queria, ainda mais com minha esposa grávida de meu filho.
Eles haviam me dado um capuz que vinha acompanhado de uma capa, ambos avermelhados, quem o olhava por fora não conseguia enxergar nenhum detalhe de meu rosto, mas por dentro eu conseguia enxergar qual caminho pegar e quem estava por perto. A roupa era meu terno barato que eu sempre usava para ir tentar a minha vida no bar.
-Tome. -um dos homens da gangue falou. - Isso não irá deixar rastros. -ele me entregou um par de luvas brancas. As luvas não iriam deixar minhas digitais por onde eu tocasse. Eu as peguei e vesti.
Eu me lembro que Jack estava trêmulo, era seu primeiro assalto, seu primeiro passo para um vício, para a diversão. Mas também era um passo para a vida boa, para o sonho tão esperado, para o dinheiro.
-O-onde iremos assaltar mesmo? - perguntei olhando os criminosos pegando algumas armas, em seguida dando uma espécie de revolver para mim. A arma era totalmente preta, mas quando colocada contra a luz, tinha seu brilho. O tambor, onde se coloca as balas, já estava cheio.
-A Fábrica de Cartas de Baralho. - o chefe disse. Ele havia falado que era para eu lhe chamar de chefe, somente. O "chefe" era baixo e calvo no topo de sua cabeça, ele não possuía nenhuma tatuagem, mas tinha uma cicatriz na sobrancelha. Provavelmente a marca de alguma luta de bar ou de algum assalto. - Napier, se você der qualquer passo em falso nesse assalto, pow! - pow! ele havia puxado o gatilho da pistola que estava em sua mão, atingindo um barrio de vinho atrás de mim. - Você morre. -eu o encarei chocado e mais trêmulo que antes. - Estamos entendidos?
-Sim, senhor. -respondi suando frio pelas mãos cobertas pelas luvas brancas.
- Vamos, já estamos atrasados. - o chefe olhou em seu relógio de pulso, caminhando até a saída seguido de seus poucos mas valentes capangas e também, seguido de mim.
Cada passo, mais perto do fim, o fim de um homem são, de um homem pobre. Mas cada passo era o começo, o começo de um reconhecimento, da diversão, da insanidade, de um sorriso eterno.
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Jack e o resto da gangue haviam entrado pela frente da enorme fábrica. Ace Chemicals, uma das empresas da família Wayne, nada fora do comum por Gotham. O cheiro de ácidos era bem presente no ar, consigo lembrar do cheiro até hoje. O lugar não era nada higiênico, assim como ainda é hoje, se todos ficassem em pleno silêncio, era capaz de ouvir os ratos andando pelos canos que haviam ali. Era escuro, mas nada se comparava ao tão escuro caminho que eu havia escolhido para ter uma vida no mínimo adequada.
Lembro de ter sentido uma vibração no bolso e logo em seguida ter tirado meu celular de lá, o número era de casa, fazendo um arrepio passar por mim, como se um fantasma tivesse me atravessado. Eu havia atendido.
- Senhor Napier? - uma voz feminina e aparentemente de uma mulher de mais idade disse no outro lado da linha, mas aquela não era a voz de Jeannie, da minha esposa.
- Sim, quem fala? - eu perguntei, ainda com a sensação de estar frio o ambiente, mesmo que eu estivesse cheio de roupas me cobrindo.
- Aqui é a Doutora Tompkins. O senhor tem tempo para conversarmos? - eu fiquei atrás de um dos pilares, escondendo-me de qualquer um dos homens, para que eles não me pegassem o celular.
- Claro, aconteceu algo? - eu disse receoso por conta da sensação de calafrios.
- Bem, sua esposa, a senhorita Napier veio a óbito ás três da manhã... - eu me encostei na parede para não cair no chão que havia desaparecido para mim. - Aparentemente a causa da morte foi um acidente doméstico, são raros esses acidentes mas acontecem.
- E-e o bebê? Ele está bem? - eu perguntei fraco, sentindo meus batimentos cardíacos acelerarem e eu sentir meu coração sendo esmagado, como se ele estivesse tentando passar pela minha faringe e sair pela minha boca.
- Sinto muito, senhor. Ele também veio a falecer. - Família feliz? Eu pensei que eu teria uma família feliz com um final alegre, assim como nos contos infantis? Jack estava enganado.
-Obrigado... - fui capaz de dizer somente isso, desligando o celular em seguida e tentando puxar mais ar para mim conseguir continuar respirando. Deixei meus olhos liberarem algumas lágrimas, chorando em silêncio. Fracasso, essa era a palavra que me definia. Um homem fracassado sem dinheiro, era um fracasso no trabalho, um fracasso como marido, um fracasso como pai que nem chegou a ser pai. A vontade de gritar estava enorme em meio peito, mas eu não quis dar esse gostinho à minha vida. Deus? Rá, que Deus é esse que não ajuda seu filho? Todos somos filhos dele, não é o que dizem? Então talvez eu seja o único que não foi seu filho. Quem sabe eu sempre fui filho de Lúcifer? Ele sim havia me mostrado um caminho sem volta, mas que iria me levar para uma vida boa. Bem que dizem que tudo tem um preço, e o meu preço seria não ter minha família.
- Capuz Vermelho! -uma voz grossa me chamou, logo identifiquei que era um dos homens. Limpei minhas lágrimas e respirei fundo, indo em direção a ele. - Onde estava? Já estamos subindo. - ele disse começando a subir alguns degraus de metal, diferente daqueles que eu subia para enfrentar a sociedade.
Pá!
Um barulho como algo semelhante a um crânio batendo no chão ecoou pelo lugar.
-Ele está aqui! Ele está aqui! - os homens gritaram e começaram a atirar no escuro.
-Quem está aqui? - perguntei olhando desesperado para os lados.
-Ele, o Batman! - arregalei os olhos na hora que ele falou o nome do morcego que assombrava Gotham pela noite. O que eu deveria fazer naquela hora? Lutar pelos meus companheiros e ter a chance de acabar morrendo ou me salvar? Por mais que a primeira opção me fosse conveniente no momento, eu não escolhi ela. Meu corpo ser encontrado pela polícia e depois aparecer no jornal "O fracasso mais conhecido de Gotham é encontrado morto em um assalto na fábrica Ace Chemicals" não era o que eu queria.
Então eu corri, ouvindo os barulhos de tiros, balas caindo no chão, gemidos de dor de alguns dos homens e um som irreconhecível de capa voando pelos ares. Eu subi até o topo, procurando por alguma saída de emergência. Eu havia parado de escutar os barulhos de tiros e gemidos. Foi quando eu olhei para trás que o vi, a lenda urbana de Gotham. Aí que eu havia me dado conta que meus parceiros e talvez até mesmo o chefe, haviam morrido no combate.
- É melhor se render. - o homem, mais conhecido como Batman havia me dito, enquanto se aproximava de mim e eu vinha a dar passos para trás, chegando em uma plataforma. Eu jamais iria me render, não queria ser preso. Prefiria morrer do que passar o resto da minha vida em uma sela.
- Jamais! - eu olhei para baixo e vi um, somente um de todos os outros tonéis, com o líquido. O líquido esverdeado, borbulhoso por conta do calor que o aquecia, o mesmo refletiu sobre meus olhos cobertos pelo capuz vermelho. Então ele deu mais um passo, estendendo o braço para agarrar o meu, e sem querer eu tropecei na capa, me fazendo desequilibrar e cair de costas. Eu estava pronto para sentir o impacto das minhas costas no metal da plataforma, mas eu não senti nada. Eu estava em queda livre, indo em direção ao líquido esverdeado.
Eu a aceitei a morte como uma velha amiga. Pelo menos, eu iria estar em paz, com a minha recém falecida Jeannie. Meus restos iriam se derreter no líquido ardente e ninguém saberia que fim eu teria levado, nem mesmo a polícia. Eu estaria livre deles e da injusta vida que eu levava.
...
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CORINGA
Художественная прозаJack Napier era pobre e precisava fazer algo para ganhar o mínimo de dinheiro que fosse para conseguir criar seu filho que estava á caminho. Após receber uma proposta e a mesma ter dado errado, sua vida não foi mais a mesma...