4.-A Piada. (II)

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...

Senti eu tocar a superfície e rapidamente ficando submerso sobre o ácido, mas eu havia assistido tudo lentamente, como seu meu espírito tivesse saído de mim a tempo de me ver afundando. Como reação do corpo, eu tentei nadar, mas a banheira do tonél era funda demais para mim, fazendo eu ser puxado para baixo. Aos pouco minha pele começou a aquecer e a arder, acelerando ainda mais o processo da minha morte e minha fadiga, até a ardência se tornar insuportável. Eu estava com extrema dor, me fazendo desistir de morrer. Consegui agarrar em algo, a barreira do tonél. Coloquei a outra mão na mesma borda e me forcei para cima, me puxei para fora e caí com tudo no chão, derramando um pouco do química que faziam as cartas ficarem brancas, por mais que o líquido fosse verde.

A roupa estava com buracos por conta do forte ácido que entrou em contato com o tecido, tirei minhas luvas molhadas e vi que minhas mãos estavam esbranquiçadas.

-Mas... -tentei achar alguma coisa para dizer pela surpresa da minha pele das mãos estar branca. Me levantei com um peso por conta do paletó molhada e começei a andar para alguma possível saída da fábrica.

Consigo achar a claridade assim que saio do interior da fábrica.

Eu estava sozinho lá fora, nenhum capanga, nenhum policial, nenhum carro. Também estava sozinho no mundo, nenhuma esposa, nenhum filho. Ninguém havia me esperado naquele dia, e como sempre, eu não passei de um simples verme que antes era fracassado e agora, um criminoso fracassado.

Fui andando pelo caminho que eu recordava vagamente. Devia ter batido a cabeça em algo na hora da queda, fazendo-me andar cambaleando e esquecendo o real caminho que eu havia pegado para chegar na fábrica.

Uma piada, não era isso o que eu queria saber fazer direito para as pessoas rirem? Talvez eu não havia visto que a piada era eu. A vida me fez ser uma piada, cuja qualquer um que a ouvisse, iria rir. Eu era uma piada.

-Ah! -assim que virei uma esquina alguém gritou ao me olhar e correu na direção contrária da que eu estava andando. Fiquei assustado com sua reação e olhei para trás, pensando que ele havia visto algo que tinha feito o cara sair correndo, nada no local além de mim. Foi aí que eu me aproximei de um carro e me olhei no retrovisor do mesmo.

Meus cabelos estavam esverdeados, meu rosto também estava branco igual as minhas mãos e o mais chocante para mim no momento foi o sorriso. Passei minhas mãos pelo meu rosto e depois pelos meus cabelos, ambos estavam diferentes. O ácido podia deformar qualquer parte do meu corpo por conta da química, e ele deformou meu sorriso, que eu nunca carregava em mim. Eu estava com um enorme sorriso avermelhado no rosto. E meus cabelos, pele e roupas entraram em contato com a química e se misturaram, fazendo meu cabelo ficar esverdeado, como o ácido e a pele branca como as cartas de um baralho. Já as roupas, em algumas partes, rasgadas.

-HA... HA... HA... -eu comecei a rir da minha aparência.

E como uma piada cruel, um sorriso que eu nunca havia tido antes, iria ficar gravado no meu rosto para o resto da minha vida.

Eu comecei a rir descontroladamente, fazendo-me cair no chão, eu ignorei o choque dos meus joelhos contra o chão, rindo cada vez mais alto.

-Senhor? Tudo bem? -ouvi alguém se aproximar e quando encarei a pessoa com insanidade nos olhos, o homem me olhou de volta, assutado e se afastou um pouco. "Não fuja de mim, amiguinho", peguei meu revólver e destravei a trava de segurança, atirando em seguida. O homem caiu no chão com um tiro no peito.

-Tudo ótimo! HaHaHa! -disse entre as risadas.

É incrível como um dia ruim pode mudar a vida uma pessoa, seja homem ou mulher, adulto ou criança, pobre ou rico. No final das contas, cada um tem sua própria loucura, sua própria realidade, sua própria piada mortal.

CORINGAOnde histórias criam vida. Descubra agora