10 de Abril de 1912

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Várias pessoas chegaram em Southampton e embarcaram no luxuoso RMS Titanic, que tinha como destino a badalada cidade de Nova York. Sua rota contemplava o Atlântico Norte, que naquela época do ano era extremamente frio, aproximando-se, em algumas rotas, dos graus negativos de temperatura. Quase 2300 pessoas estavam a bordo do navio e uma delas era Naruto, que não viu e nem ouviu nada, não viu a partida, embalada pelo alto apito do Titanic.

Bem cedo, às quatro da manhã, já estava de pé empurrando carrinhos cheios de carvão para os gigantes de fogo para garantir que no horário da partida, às nove horas do raiar do dia, absolutamente nada desse defeito ou falhasse, assim disse seu chefe: tudo teria que ser tão perfeito como se fosse ação do próprio Deus e eles fossem os anjos.

Antes de irem para alto-mar, precisaram passar em uma cidade na Irlanda para pegar novos passageiros enquanto outros desceram, dentre eles uns foguistas e uns carvoeiros fugiram do trabalho depois de menos de algumas horas de serviço, o que serviu para Naruto arrumar uma boa desculpa para o homem estranho que apareceu nas caldeiras.

Naquela noite, em que o achou tremendo e ofegante, sem mal ter forças para se erguer, ele estava com um enorme rasgão na barriga. Parecia vítima de uma daquelas brigas terríveis de acerto de contas, porque estava pálido e repetia a palavra “água” enquanto Naruto não trouxesse o líquido. Não sabia o que fazer, nem se devia contatar uma das enfermeiras que atendia os tripulantes, de modo que apenas o cobriu com seu casaco depois de lhe dar água e deixar parte de seu jantar ali antes de ir embora. No dia seguinte, rezando para não achar o homem morto perto da caldeira, encontrou-o dormindo e a ferida já não mais sangrava porque seu casaco estancou.

-Senhor. - chamou ao tocar-lhe o ombro. Lentamente os olhos se abriram e fitaram o homem sentado de forma descansada, os braços caídos ao lado do corpo. Naruto sorriu. - Tudo bem? - ofereceu um pouco de água numa garrafa e uma parte de seu café-da-manhã, que fora bem reforçado.

Ele lhe olhou de soslaio e assentiu, aceitando ambos. Naruto sentou-se ao lado dele para dividir o seu mingau de arroz, o seu pão e os ovos com bacon que fizeram, além do café. O homem comeu pouco, mas demonstrou um semblante satisfeito ao fim da refeição, claramente agradecido. Ele parecia ser poucos anos mais velho que Naruto, mas talvez isso se deva por causa dos machucados.

-Qual é o seu nome, senhor? - ele não disse, mas desenhou letra a letra no chão, bem devagar, para que Naruto pudesse acompanhar. - “S”... “A”... “S”... “U”... “K”... “E”. “Sasuke”. Sasuke? - repetiu o homem assentiu para então beber água. - Naruto Uzumaki. - esticou a mão em cumprimento e o outro aceitou. - Então… Tentaram te matar ou algo assim?

Ele assentiu bem devagar, ainda cansado e abatido pelo ferimento em sua barriga. Não era de se admirar, na verdade, então Naruto se limitou a perguntas que podiam ser respondidas com um sim ou um não paea evitar esforço. Descobriu que Sasuke não tinha família, fora atacado, mas escapou ao entrar ali pela porta da terceira classe, ficou 3 dias sozinho ali antes de ser encontrado por Naruto e só. Não disse de onde veio e nem para onde ia.

Com tanto movimento ali embaixo, ninguém reparou na presença de Sasuke, que estava quase sempre deitado debaixo do casaco de Naruto, recuperando-se da ferida apenas com a sorte como enfermeira e a bênção divina como médica. Ao fim daquela manhã, depois do almoço, Naruto pôde levá-lo ao seu quarto e, curiosamente soube que dois colegas seus perderam o retorno ao Titanic por causa de prostitutas em Queenstown - ou assim lhe disseram. O quarto integrante tinha um turno diferente do de Naruto, logo pouco se trombaram, o que significava que era seguro deixá-lo descansar pela tarde e voltar às caldeiras à noite, quando ninguém olhasse. Deitou o homem de 30 e poucos anos na cama abaixo da sua, que era uma dos colegas fujões, e suspirou ao vê-lo adormecer naquela posição.

-Tenho que fazer algo, se não ele morre. - pensou ao ver a ferida. Foi até as suas coisas e achou os pertences de um dos fujões. Teve uma ideia. - Sasuke. Sasuke. - chamou, despertando-o. - Preciso que fique acordado um pouco, porque temos que dar um jeito nesse corte antes que tenha febre.

Ele assentiu e deixou que Naruto fizesse o que fosse preciso. O foguista limpou a ferida com o kit de cuidados, um precário, mas útil, que achou na mala de um deles e o vestiu com as roupas secas, isto é, apenas com a camisa. Achou estranho: a pele dele tinha uma espécie de micose ou problema que fazia-a se descolar e descamar, como uma ferida seca. Devia ser consequência de uma vida pouco sóbria. Seu avô, quando morreu, tinha as mãos também “descamando”, tal como os pés, porque fora um bêbado profissional. Sasuke tornou a dormir depois de tratado.

Naruto lhe velou toda a tarde, observando as feições dele. Tinha a pele pálida, quase cinza, provavelmente por causa da perda de sangue, os olhos eram de um tom de negro tão profundo quanto a noite, os cabelos eram da mesma cor e Sasuke parecia ser de outro país, um bem distante e exótico. Talvez seja um estrangeiro que não foi bem-vindo.

Não pôde continuar lhe vigiando porque a hora de trabalhar se aproximava, então Naruto apenas deixou parte de seu jantar perto da cama e desceu para as caldeiras, já usando suas roupas de trabalho. Por volta das nove da noite, cuidando sozinho de uma caldeira, meio atrapalhado com aquela quantidade de carvão que tinha que lançar dentro, ouviu passos. Uma pessoa se aproximava por entre a nuvem de fumaça e vapor e isso fez Naruto ficar em alerta, segurando a pá com força, porém a pessoa veio para a luz. Era Sasuke e parecia melhor, mesmo com a barriga enfaixada.

-Nossa… Que susto que me deu. Devia estar na cama, descansando. Se alguém te ver… - começou a falar, mas parou ao vê-lo pegar a pá reserva e chegar bem perto de Naruto. - O que está fazendo?

-Ajuda. - ele sussurrou, encheu o objeto com carvão e jogou dentro da abertura ardente. As chamas lamberam os pedaços negros e ficaram mais vivas. Naruto sorriu discretamente de lado e retomou o serviço de alimentar a caldeira de n°23.

Ganhara um ajudante valoroso, pensou, e só lhe custaria uma parte de sua refeição. Nem mesmo os superiores desconfiariam, pois quanto mais houvessem pessoas trabalhando para manter o navio em perfeito funcionamento, melhor seria. Era perfeito.

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