Quattordicesima Volta

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Uma moça de cabelos curtos loiros estava deitada aos pés de uma árvore, seus óculos pendiam sobre a ponta de seu nariz, seus dedos frouxos seguravam um pedaço de papel. O cansaço da espera havia derrubado a jovem. Nem o canto dos pássaros, nem a sinfonia dos insetos e muito menos a passagem das pessoas podia tira-la desse estado sonolento. O vento gelado fazia suas madeixas loiras dançarem a música silenciosa da natureza. Ela havia esperado muito.

Era outono, as folhas das árvores balançavam nos galhos secos, algumas ainda resistiam, mas algumas simplesmente se soltavam e acompanhavam o vento deixando o destino guia-las. A folha do galho mais alto daquela árvore bem tentou se segurar, mas o destino tinha planos maiores para ela.

A folha alaranjada voou, rodopiou e seguiu sem um rumo definido, apenas percorrendo o mundo, se distanciando de sua árvore, da loira que dormia, do parque ao qual pertencia. Ela passou por ruas, avenidas, carros, prédios, casas, por entre um casal de dançarinos que apenas entretinham a plateia apressada. O vácuo criado pelo movimento desviou a trajetória da folha, fazendo-a viajar mais rápido, passando por mais casas, ruas, pessoas, praias e uma parte do mar até que encontrasse uma fresta de uma janela, perdendo a força e repousando em cima da nuca de uma outra moça que repousava em sua mesa.

Kiara Lapis Bruno Lazuli havia passado a noite em claro, tentando encontrar uma melodia para a letra que escreveu. Seu violão estava seguro em sua mão esquerda caída, apoiado no chão.

“Ding dong” foi o som que a fez abrir lentamente os olhos. Pensou em ignorar sua campainha, pois tinha quase certeza que seria um vendedor ou algo desse tipo. Não sentia mais seu braço direito, ele adormecera devido ao peso de sua cabeça. Os ossos da coluna estalavam e davam leves pontadas nos nervos pressionados de suas costas. Seu violão foi deixado em pé, encostado na cadeira enquanto a garota tentava se acostumar às dores que sua má postura causou.

Sua cabeça rodava, havia tido um sonho estranho, mas não se lembrava de muita coisa dele. Nem era hora para se lembrar dele.

Aquela casa já era mais do que conhecida para Kiara, então ela andou de olhos fechados e corpo mole até o corredor da porta de entrada. No entanto ela não contava com sua cadela folgadamente esticada no tapete de entrada. O rabo longo e peludo acabou ficando por poucos segundos entre seu pé esquerdo e o chão. A peluda sentiu dor e, por reflexo, se ergueu e correu para longe da dor bem no instante que sua dona erguia o pé direito para mais um passo.

Kiara caiu de lado, batendo o ombro na mesinha ao lado e praguejando a Golden Retriever alaranjada que se escondeu atrás do sofá da sala.

Vai a cagare! Cesso!

A queda a fez acordar na marra. Além de precisar andar colocando menos peso na perna direita e esfregar o ombro para tentar aliviar a dor da pancada. Só então a moça sentiu algo pinicando em suas costas. Segurando a barra traseira de sua camisa, puxando e empurrando-a, Kiara fez a folha alaranjada cair no chão. Teve que ser rápida para pegá-la antes de sua Golden.

- Pumpkin! Vattene!

A folha alaranjada em sua mão lhe atraia de uma forma estranha. Sentia-se triste, agitada e de certa forma feliz. Sentia que estava perdendo alguma coisa, que precisava estar em outro lugar. Sentia… Sentia… Sentia que já havia passado por isso antes!

Imagens, sensações, sentimentos, cheiros, cores. Tudo havia voltado para sua mente.

- Mas aquilo era apenas um sonho…
“Ding Dong” fez a campainha mais uma vez. Kiara andou com cuidado até sua porta, negando a realidade que acabou de descobrir. 

Una Lettera Per TeOnde histórias criam vida. Descubra agora