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Sugiro que escutem Joanne da Lady Gaga

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Verão de 2002

Já era tarde, mas as luzes ainda permaneciam acesas, a cortina da sala estava aberta, e a pequena garota de olhos castanhos acabara de acordar após um pesadelo. Ouvira alguém lhe chamar e seus olhos vagavam por toda extensão do quarto escuro, nada encontrou. Foram quase cinco meses enfrentando os mesmos pesadelos, a voz de uma mulher gritava em sua mente, e ela nunca a encontrava. Chegou a frequentar psicólogo e aquilo ajudou por um tempo, mas a pequena Katherine queria entender o por que de alguém estar dentro de sua mente. Talvez nunca saberia.

Quando o dia chegou, a garota foi para cozinha debruçando sobre a bancada de mármore ao ouvir a colher bater sobre a jarra de vidro. Era seu momento preferido no dia, quando seu pai preparava seu chá da manhã.

A vitrola estava ligada, tocando baixinho 'Let it be' dos Beatles, normalmente Katherine ficaria mais feliz, porém a insônia da noite prejudicou seu humor no dia.

-- Pesadelos? -- questionou ele depositando o chá na xícara.

-- Um pouco. -- respondeu ela bebendo o líquido amarelado.

-- Aos poucos vai melhorando. Prometo!

O homem de barba escura sentou no banco e ligou a televisão da sala. Katherine observou seu pai tomar todo seu chá e começar a prestar atenção no que se passava no jornal. Seus olhos negros estavam atentos a tudo, seus sentidos nunca falhavam. Era essa percepção mais clara que tinha dele. Sua atenção.

-- Pai? -- o homem a encarou no mesmo instante, fazendo um som nasal para que a mais nova continuasse. -- Por quê estamos aqui? -- questionou ela vendo seu pai franzir o cenho.

Ele coçou a barba tentando interpretar aquela pergunta da melhor forma que pudera. Katherine aguardou ansiosamente pela resposta, mas sabia que quando o homem silenciava, estava claramente procurando sua melhor resposta.

-- Vivos? -- questionou ele recebendo um aceno positivo. -- É uma pergunta difícil.

-- Mamãe dizia que Deus nos colocou aqui, e que estamos passando por uma prova.

Marcos assentiu pensando sobre aquelas palavras. De fato, na religião aquilo não era uma total mentira, mas qual era o motivo? Katherine era uma criança curiosa, mas ele jamais esperaria algo tão profundo logo pela manhã.

-- Isso tem a ver com seus pesadelos? -- Katherine ponderou por um momento, não queria preocupa-lo, mas não poderia mentir.

-- Sim. -- Disse ela olhando os biscoitos de chocolate qual seu tio havia feito noite passada.

-- Olha querida, se foi Deus eu realmente não tenho certeza, mas você deve aproveitar seu tempo em terra, da melhor forma possível. -- Katherine recebeu aquela resposta e continuou a pensar.

-- Mas o que é a vida? -- O homem bebeu mais um gole do suco e a olhou novamente.

-- Uma vez, seu avô me disse que a vida é tudo. É cada segundo, cada palavra, e cada respiração. Por isso, entender a vida talvez não seja a melhor forma de vive-la, apenas aproveite cada segundo como se fosse seu último suspiro.

Katherine acenou positivo e sorriu para seu pai singelamente.

Primavera de 2013

A sola do coturno estava desgastada, bem que seu pai havia dito que ela precisava de uma nova, mas não comprou. Andou lentamente até o jazigo no meio do cemitério. Sentou sobre a grama recém aparada, e colocou as rosas brancas na grama.

Katherine não esperava que seu pai a deixaria tão cedo e de fato, a culpa não havia sido dele. Lamentou mais uma vez a mania que o homem tinha de dirigir cansado e talvez, se estivesse bem disposto poderia ter desviado.

Sua primeira lágrima caiu, mas rapidamente secou, sabia que o velho detestaria vê-la chorar.

Não esteve no enterro, não quis ver o caixão ser sepultado jamais aguentaria a dor. Esperou que todos saíssem, comprou as flores e fez o caminho qual seu tio a orientou.

-- Eu nem sei por onde começar. -- sua voz saiu rouca e baixa. -- Nem sei se eu deveria mesmo dizer algo, você parecia tão disposto naquela semana que eu só te deixei trabalhar. -- Ela respirou fundo mais uma vez, agora com os olhos fechados. -- Eu recebi uma proposta, e não pude te contar, mas em dois meses vou ao Brasil. -- Puxou a manga do casaco para cima apoiando a mão na lápide branca -- Provalmente eu negaria essa proposta se ainda estivesse vivo, e voce não saberia, mas agora, eu acho que devo ir. Obrigada por tudo que me ensinou, te carrego pra sempre pai.

Levantou-se ajeitando o casaco escuro no corpo, deu uma olhada no cemitério que era enorme, abaixou os olhos mais uma vez.

'Marcos Barrel Frankfurt'

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2018

Naquela manhã Clarice acordou mais cedo que o normal, pediu para Katherine levá-la até o jardim qual sua filha havia cultivado no início do verão. As flores estavam alegres, e o sol começava a nascer. Katherine a deixou no quintal e se retirou alegando que iria preparar o café da manhã e logo voltaria.

Atravessou a sala abrindo as janelas, notou sobre a estante, a vitrola antiga que ganhara do seu pai quando pequena, a trouxe de volta do Brasil. Já não funcionava mais, porém só de tê-la ali, sentia que seu pai estaria junto.

Ajeitou as almofadas e voltou para cozinha preparando chá.

"Na vida você só carrega suas lembranças."

Seu pai sempre dizia, se tornou uma das suas frases preferidas. De fato, nada você carrega eternamente a não ser os momentos quais viveu, e ali, agora, estava vivendo e as lembranças fariam com que vivesse eternamente até que alguém deixasse de lembra-la.

Pegou as duas xícaras do armário e depositou o líquido sobre cada uma delas. Abriu a porta da cozinha com o pé e viu a cadeira de rodas de sua mãe virada de costas.

-- Eu fiz de hortelã, espero que não se importa. -- caminhou tranquilamente mas não obteve resposta. -- mãe?

Colocou as duas xícaras sobre o banco pouco atrás da mulher, deu dois passos e se ajoelhou frente a Clarice que mantinha seus olhos fechados.

-- Mãe? -- Chamou mais uma vez.

Nada.

Seus olhos começaram a encher de lágrimas quando sua mão não encontrou pulso.

-- Mãe, mãe... -- a sacudiu mais uma vez, tentou pegar o celular do bolso, mas suas mãos estavam tão trêmulas que o objeto caiu no chão. -- não não...

Katherine suspirou mais uma vez, e abaixou a cabeça apoiando no ombro da mulher. Secou as primeiras lágrimas e rezou baixinho para que Deus a levasse em paz. Quando seu celular ligou, já era tarde, e a mulher não voltaria mais.

Clarice seria eternizada em suas lembranças.

Quando Te ConheciOnde histórias criam vida. Descubra agora