Capítulo 1: Olhos mortos

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Esta é a história de como conheci as pessoas — ou nem tão pessoas —, que mudaram a minha vida. O registro completo de como minhas próprias decisões abandonaram-me aqui, a ponto de escrever estes acontecimentos e falar comigo mesmo — enquanto observo minha sombra misturar-se à escuridão deste lugar. — Para matar ainda mais a minha alma, voltarei alguns dias atrás, quando eu, o jovem Antony, ainda não sabia que minha vida era tudo o que hoje desejaria ter.

Cidade de Laut, 15 de julho de 2012.

Que droga de alarme! dizia eu todos os dias, quando era obrigado a acordar às seis e quinze da manhã com cara de morto e olheiras com o dobro do tamanho de meus olhos. Eu morava longe da escola. Depois que o meu pai morreu, a Sr. Carmen, minha mãe, teve que vir morar no interior da cidade, na casa que o vô Severo deu pra gente. Ele era só um velho ranzinza com quem nunca tive contato. Quando soube que seu filho havia morrido, nem ligou muito... apenas cedeu a casa e foi embora.

— Antony! Não ouviu o relógio alarmar? Não ache que vou permitir que falte mais um dia no colégio — gritava minha mãe na maioria das vezes. Chegava até ser repetitivo... ir para escola era algo que me fazia revirar os olhos.

O dia se inicia, e sempre que levantava, sentia como se alguém jogasse uma tonelada em cima de meu corpo. Costumava ficar sentado na beirada da cama por longos dez minutos, enquanto pensava em absolutamente tudo que conseguisse pensar.

O espelho ficava logo em frente à cama, então tinha a oportunidade de olhar aquele rosto morto, o cabelo longo e bagunçado que eu nunca arrumo, e aquela pele pálida de quem nunca sai de casa, enquanto calçava meus sapatos que ganhei de meu primo Ben.

— Você viu minha farda? — perguntei com aquela expressão deprimida e cansada, descendo os degraus, após procurar por todo o quarto.

— Está em cima da penteadeira, lavei para você — respondeu minha mãe, sem ao menos olhar em meus olhos, enquanto cortava um pedaço de frango, escorada sobre pia, como quem não se importa.

Depois da morte de meu pai, ela não expressava ânimo algum. Não tinha amigas e nem sequer saia de casa. Éramos só nós dois naquela casa próxima à floresta, que beirava a rodovia. Minha bicicleta ficava nos fundos, junto com toda a tralha e o monte de ferramentas que o pai fazia questão de usar. Todos os dias pela manhã, obrigado ia eu até aquele lugar escuro e empoeirado.

— Estou indo! Não esquece de fechar bem o portão no cadeado, quando eu sair! — exclamei já no quintal, arrastando com uma só mão a minha velha bicicleta enferrujada. Nunca deixávamos o portão aberto, pois lá era muito esquisito.

Geralmente costumava pensar muito em minha existência, durante aqueles longos poucos minutos que mais pareciam uma eternidade, no caminho para escola. Passava por árvores, caminhos de areia e mais árvores, sempre com pedaladas cheias de tédio. Não andava ninguém naquelas estradas, já estava até justificado o motivo pelo qual o vô Severo não viu importância em dar aquela casa velha pra gente.

Após alguns minutos, logo sentia o asfalto e avistava aquele formoso portão, escrito: "Escola Central de Laut". Era lá onde praticamente todo mundo da cidade estudava. Nesse todo mundo, podemos incluir meus melhores amigos: Ted, Michael e Lannah.

— E aí, Tony! Achei que não vinha mais pra escola — vinha Ted ao meu encontro, assim que me viu, dando um sorriso desajeitado, com aquele seu jeito estranho.

Eu o conheci há 3 anos, por ser assim como eu, sem ninguém. Seus pais se separaram fazia algum tempo, e o gorducho ficou com o pai, logo após sua mãe ir embora com outro homem..., mesmo assim, nunca tiveram relação de pai e filho. Deve ser por isso que sempre me falava que preferia estar na escola do que em casa.

Dyspertism: A praga dos sentimentosOnde histórias criam vida. Descubra agora