Capítulo 3 - Culpa.

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Acordei com uma claridade horrível e relutantemente abri os olhos. Minha cabeça doía e parecia que ia explodir. Levantei com a toalha ainda enrolada no corpo. Fiz uma careta ao lembrar do que tinha acontecido ontem à noite. Eu bebi, mandei mensagem para Davi e constatei que ele estava cagando para mim.

É engraçado, sabe. A gente pode passar uma vida ao lado de alguém, podemos achar que conhecemos a pessoa a fundo, mas a grande verdade é que não conhecemos. E depois dessa loucura toda, pude perceber que esse Davi que vem se comportando é alguém que desconheço. E o pior, é que sempre fiz de tudo por esse homem.

Fiz o que não podia, até. Eu me doei como uma louca, fui fiel feito um cão de rua e agora ele me trata como nada. Bufo, já engolindo a vontade de chorar e me culpo por ter tido a brilhante ideia de mandar mensagem, mas como a merda já está feita, tento procurar uma forma de seguir meu caminho. Preciso desabafar, contar para alguém o que está acontecendo, mas minhas amizades são todas em comum com ele, então ficaria uma coisa chata.

Jogo o frango queimado no lixo, tomo um banho e deixo a água gelada sobre minha cabeça lavar tudo o que estou sentindo, enquanto fico parada com os olhos fechados. Me sinto culpada por todo tempo que perdi ao lado de alguém que está agindo feito um grande babaca, me sinto culpada por ter me afastado das minhas amigas e por ter me reduzido somente a namorada de Davi.

Por isso, chorei mais uma vez. Minha vontade é de sumir por aí e quem sabe, ficar em outro lugar. Mas para aonde irei? Não sei se estou pronta para contar aos meus pais que o genro querido deles me deu um grande pé na bunda.

Depois do banho, tomo um remédio para dor de cabeça, bebo bastante água, me sento no sofá e vejo uma mensagem de uma prima minha que não falava comigo há um bom tempo e franzo o cenho.

Prima! Tudo bem? Você e Davi terminaram?

Com as mãos trêmulas, tento pensar em como ela descobriu isso tão rápido e acabei de lembrar que em terra de redes sociais, nada passa despercebido pelas pessoas. Antes de responder à mensagem de Ana, entrei no meu Facebook e confirmei o que suspeitava. Davi havia excluído o status de "Relacionamento sério" para "Solteiro".

E o mais bizarro é que ele não tinha me bloqueado. Não queria ter que contar ou falar sobre isso com ninguém da minha família, mas já que ele foi rápido e com certeza Ana não deve ter sido a única a perceber, decidi mandar a real.

Terminamos ontem, prima. Como ficou sabendo?

Abro um sorriso amarelo e fico pensando em como vou ter que explicar isso, pois nem eu esperava esse pé na bunda.

— Ah fulano (a), Davi enjoou de mim provavelmente. Ele não deu muitas explicações. Terminou comigo pelo telefone.

Será que as pessoas vão ficar me questionado mais a fundo? Pois eu não saberia responder com riquezas de detalhes e os porquês do término. Bom, acho que irei resumir com a frase "Não estava mais dando certo".

Vi no Facebook prima. E ele está postando status em baladas. Não vi você com ele, então associei que não estivessem mais juntos.

Olho para a tela do meu celular com o olhar paralisado. Balada? Davi nunca foi homem de baladas. Nunquinha mesmo. Quem ele se tornou? Como alguém pode mudar tanto em tão pouco tempo?

Meu Deus! Eu não sabia. Não tive tempo de digerir. Ele terminou comigo ontem por telefone e não me deu muitas explicações. Estou muito mal, prima. Não tenho nem amigas para me consolar, pois simplesmente me afastei de todos durante esse tempo com Davi. Estou na merda e muito puta por saber que ele já está seguindo a vida normalmente. Baladas? Ele nunca gostou disso.

Ai prima, sinto muito. Já passei por isso, sei como é. Sei que nos afastamos um pouco, pois sei que Davi me achava uma má influência para você. Mas estou atoa, vou dar um pulo aí e te fazer companhia. Tudo bem? — Ana coloca um emoji com lágrimas nos olhos e começo chorar novamente.

Pode vir, estarei a sua espera.

Indo!

Sem forças para pensar em alguma coisa, só começo a chorar. Eu não consigo entender como minha vida foi se tornar esse inferno. Deixo meu celular um pouco de lado e fico deitada no sofá olhando para o teto. Quem sou eu? O que me tornei? Fiquei um bom tempo parada pensando e tentando encontrar uma resposta e me assustei quando ouvi o interfone tocar e liberar a entrada de Ana.

Dois minutos depois, a companhia toca e eu abro a porta.

— Prima! — Exclama abrindo os braços e me abraçando. Eu aceitei de bom grado e esse simples gesto foi o suficiente para que eu desabasse novamente.

Chorei e molhei seu ombro com as minhas lágrimas quentes. Cara, eu já tive amigas que terminaram e achava que todo aquele sofrimento era exagero e drama. Eu não dava muito crédito, mas hoje sei exatamente o que elas sentiam. E se eu não tivesse jogado no fundo do poço todas as minhas poucas amizades, me desculparia com todas elas.

Eu achava chato, sabe? Pois alguém que acabou de sair de um relacionamento e foi magoado, fala nisso quase o tempo todo. Mas te digo, não é de propósito. Dói muito. Se tiver um amigo que passa por isso, tenha paciência e o console.

— Ei... senta aqui, que vou pegar um copo de água para você.

Ana me deixa no sofá e vai em direção a cozinha. A observo de soslaio e vejo que não mudou muito desde a última vez que nos vimos. Já deve ter quase um ano, mas sempre a acompanho nas redes sociais. Digamos que ela é o exemplo de mulher solteira que vive muito bem sozinha. Todo final de semana está em uma balada diferente, sempre viajando e parece muito satisfeita consigo mesma.

Ela é formada em ciência da computação, é bonita, tem um corpo de dar inveja, os cabelos loiros mais lindos e é legal. Me sinto culpada por ter me afastado.

— Toma, bebe... — estende o copo e eu pego, enquanto me entrega um lenço para enxugar as lágrimas. Ela me observa com seus olhos castanhos com ternura e pena.

— Obrigada.

— Me conta, como aquela zé ruela pode terminar com você assim? — Ela se senta ao meu lado e eu conto tudo. Sua expressão é de indignação. E eu percebo que cada vez que repasso tudo que aconteceu na minha mente, me sinto ainda mais culpada por ter bebido e tentado entrar em contato com ele.

— Prima, eu sinto muito por tudo isso! Mas aquele otário do Davi não merecia você! Me lembro quando você era bem mais iluminada sem ele. Do nada você começou a se afastar e a viver para ele. Você se apagou. Quem perdeu foi aquele babaca! Você precisa se reinventar. Fazer coisas que deixou de fazer por causa desse namoro. Se curtir! Não precisa daquele filhinho de papai para nada.

Suas palavras são fortes, porém sinceras. Ela não mentiu em nada do que disse e eu fico sem graça.

— Você tem razão, prima. Mas como vou fazer isso?

— Cadê seu celular? — Questiona passando o olho pela sala e eu fico intrigada.

— Está aqui. — Mostro pegando o aparelho e seu olhar se ilumina e fico sem entender nada.

— Desbloqueia ele para mim.

— Para que, Ana? — Interrogo já cismada.

— Vou te ajudar a superar.

— Como? E o que meu celular tem a ver com isso?

— Desbloqueia que você já vai descobrir.

Relutantemente desbloqueio o aparelho e vejo um sorrisinho maldoso surgir em sua face. Meu coração se acelera enquanto a observo mexer e não tenho ideia do que está aprontando.

— O que você está fazendo, Ana?

— Baixei o tinder e estou criando um perfil para você.

Arregalo os olhos e Ana sorri como se fosse algo super de boa. Eu devolvo com uma gargalhada histérica já sabendo que isso vai dar merda.

Ops! Baixei o tinder.Onde histórias criam vida. Descubra agora