1887
Meu nome não importa, mas quem encontrar esses papéis em que escrevo, presumo que saberá quem eu sou. Um poeta que chora sua sina, um fantasma que corre de seu fim.
O que tenho pra contar é algo revoltante, vil e indigno, mas cá estou, derramando tinta por palavras sem sentido algum.
O amor é como a fome, ambos matam de dentro pra fora. Por muito tempo eu sofri amarrado em correntes imaginárias, não tive sonhos, não tive razões, o dia que o amor fez a vida de um pobre jovem cair em degradação completa. O dia que eu deixei de aceitar a chatice da realidade e passei a desfrutar do doce veneno da esperança traiçoeira.
Então, em uma noite escura, em que a chuva forte alagava as ruas e fazia as luzes alaranjadas dos postes cintilarem sob seu reflexo, meu hálito gelado embaçava a janela do pequeno barzinho em que eu visitava para tentar esquecer sua imagem. Lento e desordenado, ouvi sua doce voz em algum lugar. Era como ouvir um chamado para voltar ao mundo, tentador, mas não tanto...
Abri meus olhos, ainda lentos pelas bebidas e pensamentos, olhei para trás e lá estava, você, bela como sempre, com seus longos cabelos soltos e arrumados, a maquiagem era um borrão de cores na sua pálida pele, mas não deixava de ser encantador. Porém, o sonho se tornou pesadelo, e ao seu lado estava todos os meus medos, todas as minhas lágrimas, todas as minhas diversas palavras nunca pronunciadas, em uma fração de segundo senti todo meu corpo caindo em um abismo na qual eu não enxergava o final.
Vocês dois, sóbrios, orgulhosos por serem apenas dois amantes em uma noite de tempestades.
Ali acabará todo o amor em mim, pois ele já vinha matando minha alma há anos.Embriagado, eu voltava para meu pequeno apartamento de um quarto. Coloquei um disco de vinil velho para tocar e despejei um líquido qualquer em um pequeno copo e tomei. Ao ouvir a lenta música ressonando por todo o quarto, imaginei você aos meus braços, a gente dançava na luz do luar como qualquer conto de fadas com final feliz.
Meu corpo ficava leve a cada passo, me sentia como uma pluma. O líquido do copo, era veneno, e tomava cada célula do meu corpo, era tão amargo quanto os acontecimentos daquela inocente noite.Ali morremos, na nossa primeira e única dança dentro da minha realidade imaginária.
"Sempre te amarei, além da vida. Além da morte".