don't let death tear us apart

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Ass: noir

1878
Você vem arrastando os pés na relva seca, sem muita vontade, nem muita coragem. Mas precisa continuar aquele ritual.
Consigo vê-lo, disfarçada atrás das silhuetas de negros pinheiros. O vento lhe alvoroça os belos fios morenos de seus cabelos. Você se ajoelha diante da lápide e pronuncia as primeiras palavras:

- Olá, querida...

Sim, diga essas palavras que esperei dias para ouvir...

- Não a vejo a tanto tempo... Eu estive no seu... funeral.

Sua voz vira uma mistura de soluços amargos com lamentos inaudíveis, e mil vezes renegado você envolve a lápide com seus braços, como se fosse capaz de dar vida à áspera pedra. Seus cabelos se misturam a neve, criando um belo contraste.

- Passei tantos dias esperando acordar de manhã e poder vê-la novamente ao meu lado. Com seus cabelos espalhados pelo travesseiro, poder ver suas belas curvas diante da pele sem lençol. Oh, meu amor, esperei tantas coisas após você ter ido embora.

Cada palavra me parecia distante como sonhos de infância.

- Tantas bebidas, tantas festas, tantos amigos falsos, nossos vícios traiçoeiros. Não fui capaz de dizer o quanto você era importante para mim, querida. Nunca lhe disse que ver seus olhos se abrindo próximos ao meu rosto a cada manhã era o que preservava minha sanidade, não, não fui capaz...

Linhas salgadas percorrem suas pálpebras apertadas, descendo até suas bochechas, tendo a vista derradeira dos amados que já partiram.
Eu me aproximo, mal escuto meus próprios passos, me ajoelho ao seu lado, quase encosto em sua orelha com meus lábios rachados, feridas em minha branca pele. Posso ouvir seu murmúrio adormecido:

- Não vá embora, não agora, não de novo...

Eu nunca fui. Nunca irei. Rápidos e silenciosos, eles arranjaram tudo para manter o segredo desse túmulo vazio, ninguém nunca soube. Ainda não estou certa da razão pela qual eles me escolheram.
Você deve ter sentido meu hálito gelado em seu pescoço, pois desperta, lento e desordenado. Você me olha com seus grandes olhos castanhos, que não possuem nenhuma esmola de mel, ou algum indício de verde, mas nunca chegaram a ser mais negros que os meus.

- Enlouqueci?
- Não, querido...

Você porém não compreende, a verdade te cega e te surda, você sempre preferiu viver de leves mentiras. Você levanta, brusco, ganhando distância. Está com medo? Está com medo do meu longo vestido rasgado pelos longos dias em meu corpo? Dos meus lábios arroxeados pelo frio do inverno? Dos nós em meus cabelos? Creio não ser mais tão bela quanto antes.

- Veja querido, fui reconhecida, ganhei meu mérito. Fui premiada com a imortalidade. Eu retornei, para você, somente por você.

Você continua não escutando, dando mais passos para longe de mim.

- Me desejou tanto de volta, e agora que retorno, me rejeita?

Você da meia volta e corre com todas as suas forças. Odiando-me. Me deixando sozinha aos pés do túmulo esquecido.

Você some no meio do arvoredo. É apenas um homem, sinto o suor frio espalhado pelo vento. Você não me quer, não como sou agora. Eu, entretanto, ainda o quero, ainda o amo. Além da vida. Além da morte.

 life and death [ I ] Onde histórias criam vida. Descubra agora