1 - estrada

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Tudo tem suas consequências. Os médicos dizem que ficar muito tempo exposto ao sol pode causar câncer de pele; eu digo que ficar muito tempo exposto a você pode causar um coração partido. É como seguir por uma estrada de tijolos brilhantes e dourados - todos envoltos por grama verde e flores brancas -, mas, ao longo do caminho, os tijolos perdem o brilho e a cor, e a grama fica seca e morre. Mas eu continuo seguindo a estrada, mesmo quando me parece que o final dela também vai ser o meu fim (Às vezes - muitas vezes -, me pergunto se não é melhor chegar ao fim mesmo)

Me pego pensando se sou boba em continuar esperançosa de que, ao final da estrada, essa dor toda será recompensada. Mas também penso que, se eu parar, eu posso estar sendo muito negativa, desistindo cedo demais, que realmente pode haver algo bom pra mim. E se todo esse cenário sombrio da sua estrada for apenas consequência das dores da sua vida? E se eu puder te ajudar a reviver suas flores? Muitas perguntas voam em volta da minha cabeça - e eu odeio o fato de isso me lembrar dos pássaros da sua estrada (O que machuca mais, as bicadas das dúvidas ou os espinhos do tentar?)

Mas eu sei que não há nenhuma recompensa para mim no final. Também sei que alguns dos danos em você podem ser sofrimentos seus, mas a maioria deles são apenas ilusões, já que você não quer que eu atravesse sua estrada. Então, você me causa dor para me afastar e, ainda assim, eu insisto. Todo sangue, arranhões e cortes que você me causa não são nada comparados à dor da minha solidão habitual. Quando me sinto cansada de lutar sozinha na sua estrada, busco forças na obsessão que tenho na ideia de que isso pode dar certo, que você vai me amar tanto quanto eu te amo e que vai ter coragem de passar também pela minha estrada e me conquistar (A minha estrada está pronta para receber alguém para me amar. Mas você precisa tomar cuidado com a poeira e as teias de aranha: ninguém passa por ela há anos e a solidão persiste)

Bem lá no fundo, eu sei que você não dá a mínima para mim. Você não quer saber como eu estou, não se preocupa comigo, só quer se livrar de mim - uma coisa pegajosa e chata que cismou com você. Eu sei que você jamais faria um mínimo esforço para passar pela minha estrada; mesmo que você simplesmente precisasse andar, sem lutar contra nada (Você já tem muitos cachorros fofos que te divertem e te amam e eu sou apenas um ornitorrinco: esquisita e que faz as pessoas pensarem "de onde essa coisa surgiu?")

Eu deveria saber que algo estava errado há muito tempo. Na vida, tem que haver equilíbrio e, se eu gosto de você dessa forma tão exagerada, você não gosta de mim para não causar um caos no universo (Talvez essa também seja a causa da minha solidão, para compensar as pessoas que são repletas de amigos)

O pior é que ainda penso que posso te fazer mudar de ideia se eu insistir o suficiente, que então você poderá destrinchar minha miséria até encontrar algo decente em mim que possa ser amado. Apesar de tudo, eu não resisto, cada vez que olho para você, não é você que vejo; é a felicidade - aquilo que eu tanto almejo. E é engraçado, porque sempre achei que amarelo combinava com a felicidade, mas você me mostrou que ela é cinza claro, como a blusa que você usava no dia que me abraçou. Só que, depois de você, passei a acreditar que a felicidade é como o amanhecer: é algo belo, que nos deixa esperançosos, mas, mesmo acontecendo todos os dias, eu nunca acordo cedo o suficiente para ver (O que eu amo é você ou a possibilidade de que você seja a pessoa que vai me amar?)

Se, em cada um de nós, houvesse uma estrada de tijolos dourados para as pessoas passarem; qual o sentido de manter uma estrada pela qual ninguém passa? Porque eu devo manter minha estrada aberta para as pessoas se ninguém se interessa por ela? Todos só querem entrar nela para roubar meus tijolos dourados e as flores que eu tanto cuido - afinal, é mais fácil pegar algo pronto do que sofrer para montar sozinho, certo? Além desses bandidos, ninguém mais entra. Não importa se eu cuido da estrada, rego as plantas e as adubo com o resto do amor que sobra depois de dar praticamente tudo para os outros: nada em mim é suficiente para fazer alguém se interessar em passar por ela. Por isso, me pego pensando, porque continuar? Porque cuidar dela? Para que fazer tanto esforço por nada? (Pessoas como você são a razão de eu querer construir muros em volta da minha estrada, para que ninguém me alcance nunca, jamais)

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