3 - abstinência

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Muito se fala sobre abstinência, a forma como a falta de algo pode mexer tanto com o seu corpo que ele deixa de ser capaz de funcionar sem tal coisa. Eu não acreditava nisso, não entendia como isso podia acontecer. Mas, um dia, eu conheci você. E, um dia, você me deixou (entender o mundo, às vezes, é um processo doloroso)

Mendigos costumam pedir esmolas para se embriagarem, satisfazendo seus vícios. Quando estou em meio às pessoas, me sinto dessa forma. Peço afeto - mesmo que seja apenas uma medíocre demonstração de simpatia - para cada pessoa que me aparece, como se estivesse indo, de porta em porta, esmolar (por favor, não bata a porta na minha cara, não faça isso, por favor)

Sabe aqueles dias em que o calor é insuportável e tudo que você consegue pensar é em uma piscina? Você era a piscina; meu vício era o calor. Eu não aguentava mais e, quando te vi, tive certeza de que você era a solução perfeita, aquilo que iria me curar e me livrar do meu sofrimento. Pular de cabeça trouxe uma satisfação inicial, mas a piscina era muito funda e, logo, eu afundava mais e mais, até não conseguir mais alcançar a superfície (como faço para voltar a respirar?)

Ainda assim, eu me questionava e não tinha certeza se minha condição era realmente ruim. Se eu ficasse, eu continuaria me afogando; mas eu sabia que, se eu saísse da piscina, o calor voltaria a me torturar. Então, ficar me pareceu uma boa ideia. Ou, melhor ainda, eu poderia ter os dois: talvez eu conseguisse resolver tudo se tivesse uma boia, algo em que eu pudesse me apoiar para não afundar. Assim, eu conseguiria ficar com o melhor das duas situações (só que ninguém nunca me contou que nem todas as coisas na vida são negociáveis)

Relacionamentos devem ser recíprocos e, de certa forma, o nosso era: você satisfazia meu vício, me dando alguma atenção; e eu satisfazia todas as suas vontades. Ambos tinham seus desejos contemplados, mas a balança sempre pendia pro seu lado: eu recebia muito pouco de você em comparação ao quanto eu te dava. Tudo o que eu queria era que você me amasse, que cuidasse de mim e que, quando eu pensasse em ir embora, eu tivesse outras razões para ficar além de "a saudade que eu vou sentir de você vai ser tão grande que ela vai me matar" (ficar sozinha me amedronta, não me deixe ir)

Queria que tivesse um jeito de ficar com você sem ter que sofrer. Eu busquei alguma solução e me mantive na miséria, com esperança de encontrar alguma forma de ficarmos juntos. E eu não precisei buscar por muito tempo; não porque a resposta era fácil de encontrar, mas sim porque você percebeu que eu sou difícil demais para se lidar e decidiu que era mais confortável se livrar de mim e encontrar algo melhor (você faz eu pensar que eu sou tão podre que não vale a pena nem a tentativa)

E agora eu estou aqui, agonizando no chão, porque, apesar do meu vício implorar para que eu busque abrigo e conforto em outros braços, eu me encontro em um embate: por um lado, você me traumatizou e fez eu ter pavor daquilo que alimenta o meu vício; e, por outro lado, não estou interessada em outros braços, pois tudo que me vêm à cabeça são os seus (queria que toda vez que eu escrevesse sobre você, os verbos estivessem no pretérito, mas eles são teimosos e, quase sempre, permanecem no presente)

Muitas pessoas pulam de um relacionamento para outro, buscando se curar do relacionamento anterior. Acredito que, se uma dessas pessoas ficasse com você, seria preciso apenas uma semana para que, em seguida, nenhum outro relacionamento fosse capaz de fazer ela te superar (você escreveu o seu nome no meu coração com caneta permanente e, agora, não consigo mais apagar; me ensine a te esquecer)

Eu sempre admirei os seus olhos negros. Eu dizia que eles eram profundos e acreditava que, se olhasse para eles por tempo o suficiente, eu conseguiria ir para dentro deles e cair até chegar no seu coração. Eu caí sim, mas estava enganada sobre o destino que eles me levariam; só agora sei que o que eu estava olhando era o abismo das suas mentiras (eu ainda estou caindo e não há previsão de quando a queda termina)

Não há como te superar. Você partiu meu coração e nem todo o analgésico que há no mundo seria suficiente para fazer essa dor sumir. Sei que devo me afastar, mas o vício não me deixa te esquecer. Me vejo em um ciclo que não quero estar, enlouquecendo, pois a única coisa que cura a minha dor, é justamente aquilo que está causando ela (posso ser uma viciada, mas a droga é você)

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