Eu sempre quis ser como o oceano: ondas serenas e pensativas, carregando água para as pessoas (que, muitas vezes, vêm de longe apenas para isso). Mas eu nunca sei me controlar e, em vez disso, sou um tsunami. Acabo com casas e vidas, carregando destruição quando tudo que eu queria era apenas levar água e esperança para todos (sou um desastre, mas com boas intenções)
Dizem que, em um furacão, o melhor lugar para se estar é no centro dele. Eu sempre jogo as pessoas ali por pensar que elas estarão melhores e mais seguras naquele lugar. As obrigo a ver suas vidas e tudo o que elas mais amam serem despedaçados, enquanto elas estão presas, impotentes, no lugar que eu penso ser o mais seguro que existe. Mas, na verdade, o lugar mais seguro para se estar quando há um furacão não é no centro dele; é fora dele e o mais longe o possível (e talvez seja assim que todos deveriam estar em relação a mim)
Quando está muito frio, todos se encolhem e se aproximam, buscando se aquecer. Eu tento fazer uma fogueira para ajudá-los, mas eu sou muito desastrada e minhas mãos tremem e eu acabo por atear fogo em tudo e em todos. Provoco dor e desespero e vejo todos se arrastando para longe para não precisarem ver suas vidas se tornarem apenas cinzas inúteis. Morrer congelado seria um sofrimento menor (eu tento diminuir o sofrimento, mas tudo o que eu consigo é causar um maior ainda)
Sempre amei o vento, a forma como ele parece levar minhas dores e preocupações para longe, me deixando com a tranquilidade. Queria que todos pudessem se sentir dessa forma, então levo o vento para eles. Mas só conheço o preto e o branco - nunca o cinza - e acabo por causar uma enorme ventania. Em vez de distanciar o sofrimento, arrasto para longe tudo que lhes é estimado, seus bens mais preciosos. Mesmo aqueles que se salvam e não são levados pelo meu vento mortal ainda sofrem por verem tudo que lhes é familiar ser destruído e por terem que assistir o sofrimento alheio (se eu realmente quiser livrá-los do sofrimento, talvez a minha ventania devesse me carregar para longe de todos)
Usamos a água para limpar as coisas, retirando impurezas. Quem sabe um pouco mais de água não pode levar para o ralo as suas dores? Mas não pode. Eu apenas te afogo, você tenta se agarrar nos seus móveis que flutuam, mas você só consegue carregá-los para baixo com você. Você só consegue pensar em como até a pior das secas seria menos angustiante. Você não se sente limpo, nem seguro; apenas está devastado e morrendo (nem toda água do mundo é suficiente para me limpar do meu fracasso)
Não gosto de ver pessoas com fome, mas acontece que a minha resposta para isso é dar a elas tanta comida que mesmo em anos elas não seriam capazes de comer. Os alimentos estragam, as moscas são atraídas e, junto delas, vêm as doenças e, então, a morte. O que era para ser uma boa ação em prol dos necessitados se torna uma cruel execução (sou uma cascata de desgraças e, a cada nível, tudo se torna pior)
Algumas pessoas gostam do calor, se sentem mais vivas e dispostas. Você é uma delas? Eu só quero o seu bem, mas sou um vulcão em erupção. Minha lava se move lentamente, carbonizando tudo o que está no caminho - e, infelizmente, é aí que você está; me perdoe, por favor, me perdoe. Eu só sou capaz de desintegrar pouco a pouco cada parte da sua existência, como se você fosse um nada insignificante para mim; mas eu te juro que você não é (assim como em Pompéia, você será petrificado e, em alguns anos, pesquisadores te encontrarão e poderão ver que eu te amei tanto que, mesmo acabando com sua vida, pude te preservar por toda a eternidade)
Você me pede para que eu seja eu mesma, diz que é muito pesado eu fingir ser quem não sou e que seria mais fácil se eu me livrasse das minhas inúmeras máscaras; afinal, sem todo esse peso que eu carrego, eu seria mais livre para viver e ser feliz. Mas você se engana. As máscaras não são uma proteção para mim, e sim para você e para todos. Elas são uma barragem que impede que todos se afoguem com meus sentimentos, mas, ainda assim, há falhas e, às vezes, alguns vazamentos causam tragédias. É impossível decidir se seria melhor viver sem máscaras, machucando a todos; ou com elas e mantendo as dores em mim, dentro dos muros, havendo alguns muitos vazamentos vez ou outra. Sinto que, mesmo que eu tente de tudo para fazer as pessoas se sentirem bem, eu sempre acabo sendo uma destruição, uma decepção, um desastre (machucar a todos já se tornou costume, mesmo que não seja de propósito)