Na última vez que ele a viu, uma quarta-feira após o almoço, ela passava pelo corredor da cafeteria. Os passos suaves, mas apressados, a levavam para o jardim. Assim que ela estivesse ao ar livre, a luz do sol acertaria seus cabelos castanhos, deixando os seus grisalhos um pouco à mostra. E a beleza dela, a calma e a doçura iriam irradiar: todos poderiam ver a imagem de um anjo por baixo dos raios de sol.
Depois desse dia, todos os dias dele eram resumidos em diversas visitas à cafeteria, tomando xícaras e mais xícaras de café, apenas como desculpa para ocupar uma das mesinhas - sempre a mais próxima do corredor, de onde seria impossível ela passar sem percebê-lo. Em busca de um muito esperado "encontro acidental", ele tentava prever cada um dos movimentos da mulher: a hora que ela deveria entrar no trabalho, a hora que saía para almoçar, quando voltaria... A única coisa que ele não conseguia estimar era quantos cafés ele tomou naquele ano apenas para esperá-la - mas sempre à toa, pois o encontro nunca, de fato, ocorreu.
Durante essas esperas, que quase pareciam infinitas, o que restava da sua dignidade despencava de um precipício e se esborrachava no chão sempre que alguém passava, pois seus olhos logo eram atraídos em busca dos dela. Ele quase conseguia ver escrito no rosto de todos que o cercavam, como se fosse possível ler a mente dos outros; e todos estariam pensando o mesmo ("que otário, tomando bolo toda vez e nunca aprendendo a ter vergonha na cara, sempre aqui de volta esperando por alguém que nunca vem"). Ele passava mais tempo esperando para encontrar ela do que realmente encontrando-a.
Mas ela só se lembrava dele quando estava sozinha - ou nas inúmeras vezes em que ele, bêbado, ligava repetidamente para ela: um pedido de socorro, sempre ignorado. A culpa o corroía por pensar dessa forma, mas, ainda assim, ele sempre desejava que houvesse solidão o suficiente na vida dela para que ela pudesse amá-lo, mesmo que só um pouco.
Ele se sentia como um pequeno ratinho em meio à cidade grande: os prédios altos - que faziam ele se sentir minúsculo -, a descomunal distância emocional entre pessoas, um vazio colossal dentro de si e uma solidão maior ainda. Desprotegido, ele buscava abrigo nos braços dela, mas nunca era correspondido. Ela já havia encontrado os braços que a acolhiam e amparavam, não havia necessidade de obter mais um; e muito menos de lidar com a incômoda preocupação de ter que servir de refúgio para alguém.
Às vezes, ele deixava esse seu pequeno delírio de lado e chegava à conclusão de que ela o odiava. Mas isso não o impedia de continuar buscando formas para encontrá-la "sem querer" ou de esperar que, em um desses encontros casuais, ela declarasse a importância que ele tinha na vida dela ("nenhuma, óbvio", era o pensamento que sempre seguia essa ideia). Ele queria falar dela para todo mundo, mostrar o ser humano maravilhoso que ela é, mas também tinha medo de fazê-lo; falar tão bem dela, mostrar suas qualidades para todos... Não era difícil se apaixonar por ela; e se ele fizer alguém cair de amores por ela e ela acabar correspondendo? E se ele a perder e - pior ainda - isso ter acontecido por culpa dele? Ele não se surpreenderia se acabasse por estragar tudo, como sempre.
Quando ele dava uma pausa em seu devaneio, o café já havia esfriado. E, com repulsa, ele tomava mesmo assim. A verdade é que ele gostava que seu café combinasse com a vida dele: amargo e tão quente quanto o inferno que ele vivia. Mas o último gole daquele líquido escuro e frio também era válido: um pequeno ato de tortura por ter caído novamente naquela sua persistente ilusão.
Quando chegava perto do horário de almoço, a cafeteria começava a encher. Mas nenhuma daquelas pessoas eram ela, então não importavam para ele. E, mesmo com a lotação do lugar, a solidão dele não o deixava; ela aumentava cada vez mais, parecendo ser proporcional à quantidade de gente que chegava. As outras mesas, rodeadas de pessoas felizes, unidas e animadas o entristeciam: porque não podia ser ele assim? Ele era um imã, mas nunca o lado certo: sempre repelia as pessoas, em vez de atraí-las. Tudo o que ele conseguia aproximar era o isolamento e a tristeza.
Ele estava na porta, gritando para poder entrar na vida dela, mas ela fingia não o ouvir. E, do lado de fora, o clima, tão gelado quanto seu café, o fazia sofrer. Cada parte do seu corpo parecia congelar e endurecer, ele tremia e tinha medo de que alguma parte dele se quebrasse. E foi assim que seu coração se partiu: tão gélida era a atmosfera em que ele residia, não conseguiu resistir e acabou se tornando milhões de pedacinhos.
Ele sempre acreditou que, quebrado, seu coração não funcionaria da mesma forma. Isso, de fato, aconteceu; mas a realidade era o oposto do que ele imaginava: ele tinha muito mais do que um único órgão para amar, agora, havia diversos pedacinhos que clamavam pela presença dela. A intensidade de seu amor era tão grande que se tornava uma obsessão e a sua felicidade agora dependia da necessidade de tê-la. A felicidade dele foi embora e nunca mais voltou.
Quando já se passava da hora que ela deveria passar por ali, ele tentava superar a tristeza e a decepção pensando em universos paralelos. Que cada escolha que as pessoas fazem cria uma imensidão de diferentes realidades. Não tinha como evitar pensar se suas vidas paralelas eram tão ruins e tristes quanto a dele. E ele se perguntava se, em alguma dessas realidades, ela aparecia por ali e o via, se eles estavam juntos, se ela o amava... Todos os dias, quando o relógio mostrava horas iguais - o que ele via acontecer cerca de 16 vezes por dia -, ele pedia para poder ir para alguma dessas realidades. E ele sempre continuava pedindo, mesmo que não funcionasse, na esperança de que, alguma hora, o destino se cansasse dos seus insistentes pedidos e decidisse realizá-los. Algumas vezes, quando estava menos otimista, ele somente desejava que houvesse algum motivo para ele querer ser ele mesmo, naquela mesma realidade. Mas o destino ainda não havia se cansado e continuava se divertindo com a miséria dele.
De tempos em tempos, ela o visitava em seus sonhos; e era ali que ele deixava de estar deslocado. Ele quase podia sentir o toque dela na sua pele ferida pelas dores da vida. E, ao acordar, o gosto doce da boca dela ainda estava em seus lábios rachados. E, por alguns minutos, antes que seu cérebro finalmente se desse conta de que havia voltado para a realidade, ele se sentia confortável e seguro, como se estivesse recebendo um abraço. Quantos dias ele se atrasou por tentar dormir novamente, retornar para o mundo de seus sonhos, onde tudo era mais suave? Mas aqueles 5 minutos a mais não eram suficientes para aliviar o seu desejo. Ele acordava se sentindo perdido, como se a ausência dela fosse também a ausência do sentido em sua vida.
O copo descartável já havia sido destruído por dedos distraídos, comandados por uma mente em devaneio que tentava traduzir as ruínas que existiam dentro dele. Ele olhou para o relógio uma última vez, esperando o seu horário de desejos para que, dessa vez, pudesse pedir por seu sumiço; ainda faltava tempo. Ele esperava por ela, mas isso não era suficiente. Ele sempre analisava sua vida em busca de algum aspecto em que ele fosse suficiente e nunca encontrava. Talvez a vida não fosse para todos, talvez alguns estivessem destinados a viver eternamente naufragados na tristeza, cercados por um mar de decepções. Seu corpo não se adaptava à sua terrível vida e ele se questionava se, algum dia, isso realmente ia acontecer. Ele se perguntava se isso deveria mesmo acontecer.
Na sua última visita do dia, a cafeteria já se preparava para fechar, as mesas se esvaziavam. O dia estava perto de acabar, um dia a mais sem vê-la; um dia a menos em sua vida, desperdiçado em uma inútil esperança. Ele queria que ela fosse a salvação dele, mas, cada dia mais, ele se convencia de que o único jeito de se salvar nesse mundo era com a morte. E ele deixava suas conclusões para trás, ao ouvir o baque da porta da cafeteria se fechando às suas costas. Talvez o mundo não fosse para todos.