4 - muro

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Como Trump, você constrói um muro em volta de si para que eu, imigrante indesejada, não possa entrar. Impossibilitada, me resta apenas olhar de longe e imaginar todas as maravilhas que eu poderia ter aí, ao seu lado. Não deixo de pensar em um abraço seu, aconchegante, quando está frio e chuvoso (mas, quando penso em "frio e chuvoso", nunca sei se isso caracteriza o clima ou o estado do meu coração)

Sobre caixotes velhos e destroçados, observo o contraste entre os dois lados do muro. Milhares de pequenos tijolos cinzas separam o meu caos do seu paraíso, me privando do conforto que você pode me proporcionar; mas te salvando da destruição que eu te causaria. Sou egoísta por querer derrubar o muro para atravessá-lo? (não quero te machucar, mas preciso que você me salve antes que o meu tormento me devore)

Sua grama, verde e macia, parece me convidar para deitar nela e acariciá-la. Eu estaria também sendo acariciada por ela; e seria a primeira vez que eu sentiria isso, pois, de onde venho, a grama é seca e apenas espeta e machuca. E a sua chuva? Ela parece vir do céu em um sentido além do literal: é divina, as gotas passam pelo meu corpo, deixando a impressão de que fui purificada e, ao final, fica apenas o sentimento de paz. Não se parece em nada com a chuva de pedras com a qual estou acostumada e que me deixa constantemente repleta de hematomas (às vezes, tenho medo que, assim como os colonizadores exploraram as riquezas das colônias, eu também apenas me aproveite dos seus bens, te roubando e prejudicando)

Olhar para além do muro me traz sensações que eu não sinto há tanto tempo ou, até mesmo, que eu nunca senti. A calma e a paz que você emana me levam a imaginar como seria bom ser assim também; surge um desejo de curar o meu próprio lado do muro, mas logo me banho com a realidade e desisto da ideia. Há tempos, me amputaram o meu amor próprio e, agora, é difícil me curar sem ter alguém como muleta (talvez eu seja exatamente igual às pessoas que me destruíram)

Sou parasita e você seria meu hospedeiro; viveríamos em associação, mas estaríamos longe de ser uma simbiose pois, quando eu não estou te esgotando, te impeço de se desenvolver. Eu queria que nossa relação fosse mais harmônica, crio fantasias sobre nós o tempo todo, imaginando como poderíamos fazer bem um para o outro. Quebraríamos, juntos, o muro, como um símbolo do nosso amor; depois, uniríamos nossos bosques e retiraríamos as ervas-daninhas para dar espaço para belas flores e grandes árvores. Haveria um grande castelo, com uma torre tão alta que seria possível admirar toda a beleza do nosso éden. Mas, apesar de toda essa exuberância, tudo isso seria um luxo supérfluo e dispensável, pois não precisaríamos de tanto espaço assim: dentro desse imenso castelo, nós viveríamos dentro de abraços tão apertados que estaríamos prestes a sermos absorvidos um para o coração do outro; nós mal ocuparíamos um único cômodo. Um cuidaria do outro e nosso relacionamento se tornaria um pequeno paraíso privado em meio a todo caos e ódio que há por aí. Mas você, assim como eu, sabe que harmonia é apenas um conceito utópico e ilusório para mim, eu nunca soube o que isso é de verdade; se, às vezes, minha vida parece tão impecável, é porque sempre fui condicionada a agir que nem todos ao meu redor, simplesmente simulando uma falsa harmonia (de fato, minha vida é um castelo enorme, mas ele é feito de cartas e basta uma leve brisa de realidade para que ele desmorone)

Apesar de querer me aproximar, tenho medo de que, quando eu fizer isso, eu me perca e fique alienada; que suas virtudes me deixem tão deslumbrada que meus olhos se virariam para dentro de mim, e eu me tornaria cega para os outros - inclusive para você. Eu não sou tão egocêntrica quanto pareço, é que tenho um quebra-cabeça dentro de mim e ele está todo desmontado e confuso. Eu me importo com você, mas queria, antes, me consertar para poder te dar uma imagem bonita, o mais completa o possível, e não essa bagunça desconexa que eu sou (se minha vida é um quebra-cabeças, acredito que há uma peça faltando no meu jogo - e essa peça é você)

Bombas atômicas estão cheias de energia e, quando esta é liberada, ocorre uma grande explosão; meu coração, repleto de amor por você, funciona da mesma forma. Então, quando você me pede para que eu demonstre meus sentimentos, não se assuste com a destruição que é causada, não deixe a sua intuição te enganar e fazer você se proteger de mim; eu juro que não quero te machucar. Explosões, às vezes, podem ser boas, como em fogos de artifício; e eu queria te mostrar a beleza dos meus sentimentos, mas não sei como controlar a intensidade deles e acabo te ferindo em vez disso (meu amor se assemelha a um átomo: basta ser dividido em partes para que ocorra uma grande explosão)

Eu sei que você olha ao redor e vê várias princesas delicadas em seus vestidos de festa, esbanjando realeza e, quando você olha para mim, não é isso que eu te mostro. Você fica confuso e acredita que eu seja errada, mas é você quem se equivoca. A questão é que você está tão ocupado remexendo cada canto da minha vida em busca de trajes de luxo e todo aquele esplendor que não percebe que eu não uso vestidos, mas sim uma reluzente armadura; eu não tenho realeza, nem sou delicada, porque tenho arranhões e cicatrizes de todas as batalhas que já travei (posso ser burra por não construir um muro para evitar guerras, mas pelo menos sei que tenho coragem - e isso faz eu me sentir mais digna do que vocês)

Não tenho um dragão para engolir todos aqueles que me atacam; nem mesmo preciso de um, pois eu sou esse dragão e eu protejo a mim mesma. Apesar de ser exaustivo, sei que sempre sou recompensada ao final do dia, quando me banho no sangue quente daqueles que derrotei. Mas ainda há um problema: sou solitária e, mais tarde, quando estou no meu porão fazendo esculturas com os ossos de todos que eu abati, eu penso em você. Imagino como seria bom ter alguém que protegesse, que me deixasse baixar guarda e descansar por algum momento. Não vou mentir e dizer que odeio o combate, mas, de vez em quando, eu invejo as princesas idiotas, com seus vestidos fúteis; elas não precisam se salvar, sempre há vários imbecis para fazê-lo. Mas o mais importante de tudo: eu queria ser elas porque elas conseguem facilmente ganhar sua atenção apenas com um estalar de dedos, sem precisar se arrastar que nem eu faço - ainda que eu saiba que não terei sucesso (eu estou no alto de uma torre, posso simplesmente abrir a porta e sair, mas me confino nela e espero que o príncipe encantado - você - apareça para me salvar)

Já ouvi dizer que quando não conseguimos dormir, é porque estamos acordados no sonho de alguém. Não entendo, então, como você parece tão bem disposto depois de tantas noites sem dormir, pois me canso de te ver em meus sonhos. Costumava pensar que sonhar com nosso amor seria algo bom, que assim eu poderia sentir seu toque e viver belos momentos ao seu lado. Mas, durante o dia, a lembrança desses sonhos me perseguem, sempre me fazendo lembrar o quanto você é bom e amoroso e como seríamos perfeitos juntos; mas também que você não é meu, que eu estou sozinha e que esse é meu eterno estado de ser (não quero mais dormir, até mesmo os meus mais belos sonhos se tornam pesadelos)

Somos estrangeiros um para o outro e talvez seja por isso que não conseguimos conversar. Falamos em nossos próprios idiomas, sem compreender o que o outro está dizendo. Algumas vezes conseguimos pegar uma coisa ou outra, mas palavras soltas, sem contexto, nunca são boas; e nós sempre preferimos a tradução em nosso próprio idioma. Eu falo "fine", em inglês, para te dizer que está tudo bem; só que você fala italiano e, então, é o nosso fim (ultimamente, meu castelo está tão em ruínas que até me lembro do Coliseu - mas, claro, sem todo o esplendor)

De vez em quando, consigo até acreditar que você quer o meu bem, mesmo que seja para que eu vá estar bem em outro lugar - o mais longe o possível de você, de preferência. Gosto de deixar minha obsessão fazer me convencer de que, secretamente, você também gosta de mim. Mas sei que tudo está só na minha cabeça. O seu reino é grande demais e você já tem súditos o suficiente. Sou apenas um empecilho que bloqueia seu caminho rumo à felicidade, te forçando a gastar energia para construir uma muralha que me afaste. Às vezes, até tenho a honra de falar com você, mas dura tão pouco que mal consigo me animar. Da última vez que nos falamos, você me disse que o meu lado do muro tem melhorado, que está florescendo e que isso é um bom sinal; engraçado, porque eu não concordo (algumas plantas costumam florir quando estão próximas da morte)

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