Kria já não conseguia sentir boa parte dos dedos. As cordas que estavam entrelaçadas em seus pulsos eram tão apertadas, que se ela sobrevivesse com metade dos dedos, já estaria de bom tamanho. Kris parecia dormir ao seu lado. Os dois atrelados a um enorme tronco de madeira bruta repleto de cordas e sangue seco. Com certeza alguém não teria tido sorte naquele lugar, assim como eles.
- Aubrey! - Kris abriu os olhos de repente e Kria lhe deu uma cotovelada nas costelas.
- Fala baixo! - Ela observou ao redor. O acampamento dos soldados de Ysmatiz finalmente estava calmo. A fogueira próxima a eles crepitava, mas a maioria dos soldados dormia. - Só agora a gente conseguiu que eles dormissem!
- Aconteceu alguma coisa. - Kris disse mais baixo, com a cabeça abaixada e os olhos fixos no chão. - Aconteceu alguma coisa bem ruim.
- Você acha que eu não senti? - Kria tirou o cabelo da cara com um sopro e começou a fazer um barulho com a boca. Algo parecido com um sibilo.
- O que você tá...
- Cala a boca! - Kria cutucou as costelas dele de novo e continuou com os sibilos. Kris ficou observando com novo interesse.
Alguns segundos depois, um farfalhar chamou a atenção dos dois. No meio de um arbusto, uma enorme cobra começou a rastejar em direção aos dois. Kris arregalou os olhos mas Kris segurou seus dedos pelas cordas.
- Somos naturais, Kris! Todos os animais nos servem como protetores!- Ela revirou os olhos. - Um Príncipe que não sabe nem de metade de sua história...
- Não é minha culpa. - Kris observou a cobra se aconchegar no colo de Kria. Ela abaixou o rosto e as duas começaram a se olhar, como se conversassem. - Você entende o que ela fala?
- Assim como você também deveria entender. - Kria piscou para a cobra, que saiu de perto deles e foi pro meio do acampamento, onde os soldados dormiam. Era uma cobra colorida, o que parecia dizer que era venenosa. - Quando voltarmos... me lembra de ensinar seus filhos a falarem com os animais pra não ficarem igual o pai.
- Aubrey precisa de mim. - Kris disse, sincero com as palavras. - Eu sinto.
- A prioridade é procurar a aliança. - Kria respondeu, logo sorrindo pra cobra que voltava, dessa vez com uma coisa brilhante na boca. Uma adaga. - Entrega pro meu irmão burro.
A cobra obedeceu, deixando a adaga nas mãos amarradas de Kris. Com uma destreza incrível, ele cortou as cordas e libertou ambos de uma vez. Kria se levantou e pegou a cobra, colocando-a ao redor de seu pescoço.
- Vai levar a cobra? - Kris começou a sair com passos lentos, mas a irmã foi até o meio dos soldados dormindo, pegando o cajado bloqueador de seus poderes e o arremessando contra as árvores. O barulho foi tão alto que... ninguém tinha nem se mexido.
- Ficou louca? - Kris se aproximou dela e ouviu uma outra voz próxima.
- Eu os envenenei enquanto dormiam.- A cobra levantou a cabeça do pescoço de Kria e tirou a língua pra fora, farejando o ar. - Estão todos dormindo eternamente, senhor Príncipe.
- Agora consegue ouvi-la? - Kria apontou para o bloqueador. - De nada. Agora vamos! O penhasco pode estar próximo.***
A caverna era iluminada por várias bolas de energia flutuantes. Ifar parecia mais nervoso que Aubrey, que no chão, fazia um esforço enorme. Sua expressão era de dor absurda e de sua testa, gotículas de suor escorriam de seu rosto.
- Continue assim, querida. - Ifar abriu as pernas dela e virou o rosto para o outro lado. - Respire fundo.
- Eu estou quase morrendo aqui! - Aubrey deu um tapa no braço do sacerdote. - E você está bancando o fresco não querendo olhar para... você tem que me ajudar! Argh!
- Eu nunca fiz nenhum parto! - Ifar a encarou nos olhos, com a expressão lotada de preocupação. - Eu...
Aubrey deu outro grito alto, fazendo Ifar se assustar mas também tomar alguma atitude. Ele rasgou as próprias vestes e colocou entre as pernas de Aubrey. No próximo grito, ele já soube o que fazer. Ela era a sacerdotisa. A prometida. Ela precisava dele e ele conseguiria fazer aquilo por ela. Por todos.
- Mais força, senhora! - Ele disse olhando fixo nela, com as mãos dispostas entre sua intimidade. - Mais uma vez!
- Argh!
O som foi como se um anjo falasse algo para eles. Um choro agudo e fino de bebê cortou o barulho oco dos gritos de Aubrey na caverna. Ifar segurou o pequeno bebê em suas mãos, não suportando tamanha divindade e sentindo uma lágrima escorrer pelos seus olhos.
- Um menino! - Ele o colocou enrolado em suas vestes no colo da mãe, que lhe beijou na testa. - Um pequeno solar!
- Ifar! - Aubrey fez outra expressão de dor, fazendo com que ele cortasse rapidamente o cordão de Nascimento do bebê com magia e prestasse atenção no... próximo choro.
Quando Aubrey novamente fez força, Ifar segurou novamente outro tesouro nas mãos.
- Menina... - Ele chorou novamente, segurando ela. - Uma lunar e um solar, Aubrey...
- Não. - Aubrey sorriu, sendo aquele o dia mais feliz de toda a sua vida. Ela olhou para cada um dos bebês chorando em seu colo e observou, assim como Ifar.
A pequena menininha brilhava de uma força celestial. Um brilho amarelo e vibrante... Enquanto isso, o menino brilhava de maneira sutil e prateada.
- Meus filhos... - Aubrey encarou Ifar, que também já entendeu o que acontecera ali. - Uma menina solar... E o menino lunar... os únicos em todo o mundo.
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A Celestial
FantasyLivro três da trilogia "Os Celestiais". O tempo passou e Ysmatiz tomou o poder novamente. As lunares e os solares ainda lutam, para que um dia o mundo se livre de Ysmatiz de uma vez por todas. Aubrey, agora grávida, tenta ainda liderar sua irmãs enq...