Houveram épocas na minha vida em que me questionei sobre o paradeiro do meu pai; por várias vezes, durante o famoso boa noite da minha mãe, sempre fazia perguntas sobre essa questão desconhecida por mim. Ela nunca se esquivou, nunca plantou sequer uma sementinha de ódio, de rancor em mim. Pacientemente, meus questionamentos eram respondidos por ela, eu não tinha ideia do quão dificil esse assunto significava para ela, pois sempre que eu dormia, ouvia seu fungado baixinho, o grande indício de um possível choro. Mas, jamais imaginei que essas lágrimas provinham da minha fome de informação daquela pequena parte que eu achava faltar em mim.
Na minha inocência, demorou um tempo para que eu percebesse que as lágrimas vinham dos sofrimentos que causavam as minhas perguntas espertas e curiosas. Lembro de uma semana que ela leu todos os dias a história da Rapunzel — a minha favorita na época — e resolvi testar as minhas dúvidas sobre o motivo da tristeza e bingo, acertei em cheio. As perguntas sobre o meu pai, era como se uma ferida tridimensional se abrisse no peito dela, pois seu choro era sempre comum nessas noites regadas á questionamentos sobre esse homem desconhecido.
Hoje eu entendo!
Aquela foi a última vez que mencionei o nome dele nas nossas vidas. Eu já não dava motivos para ouví-la chorar — e de fato, não a ouvia chorar mais —então seguimos nossa rotina, nossas batalhas. Enfim, o tempo passou, a adolescência chegou e eu compreendí que meu Pai não passava de um simples cara que engravidou a minha mãe e nos abandonou sem ao menos olhar para trás.
Varrí para o fundo da minha mente qualquer resquício dele; qualquer assunto que o envolvesse, que instigasse a minha curiosidade e assim viví o resto dos meus dias. Pelo menos até dois meses atrás, quando o advogado do senhor Roberto Lima Pacheco me jogou uma bomba de dezesseis anos no colo.
Não me levem a mal, mas receber a notícia da morte de um pai que foi ausente durante vinte e cinco anos da sua vida, pai esse que tinha escrito em testamento a divisão de bens para suas duas filhas — isso mesmo, eu estou no testamento — e pior, que em caso de morte a guarda da menor deveria ser inteira e totalmente minha não era a minha meta de vida. Então, chamar Ashley de bomba é um pequeno elogio. Não no sentindo ruim!
De imediato, a minha primeira reação foi sorrir e desligar o telefone. Só poderia ser pegadinha. Mas não era, não foi e não é. Estou sentada no pequeno aeroporto, o banco azul muito pequeno massacrando a minha bunda que teima em escapar discretamente pelas laterais do assento. Só agora a ficha parece cair!
Respiro fundo, tentando controlar a minha vontade de sair correndo. Como diabos eu vou cuidar de uma garota de dezesseis anos se nem sei cuidar direito de mim? Faz exatamente três anos que resolvi morar sozinha e demorou pelo menos um ano para me estabelecer em uma rotina, conseguir acordar cedo, ser de fato uma mulher adulta e responsável, outro fator que só de pensar, deixa meu cabelo branco, pois Ashley nem chegou e já descontrolou as minhas horas cronometricamente planejadas; em sete semanas tive que organizar aulas de português, reformar o meu antigo escritório transformando-o em um quarto, vender a minha moto e comprar um carro. Enfim, usei boa parte das minhas economias também nessa confusão, para melhor receber a minha meia irmã.
Confesso que quando recebi a notícia — e a pelo menos, uma hora atrás — pensei em recusar, ligar para o advogado Marshall, mas não tive muita escolha. Primeiro porque o advogado falou que eu teria um tempo e que se Ashley não conseguisse se adaptar, poderíamos recorrer o pedido do meu pai e entregá-la para os parentes maternos nos EUA; Segundo que mamãe vem sendo a minha psicóloga desde sempre, me aconselhando a ser receptiva com a garota. Na opinião dela, Ashley não tem culpa por meu pai ter sido um filho da puta.
Mas também há a minha consciência e acima de tudo, há a minha curiosidade; também há o meu altruísmo por imaginar Ashley sofrendo tanto com a perda dos Pais. Mas também não entendo o porquê do produtor de esperma ter deixado a guarda dela para mim, até porque, ela tem família pelo lado da mãe e provavelmente, por parte do pai. Por fim, não me imagino deixando-a abandonada. Jamais!
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Nascida para Amar
ChickLitDona de seu próprio empreendimento, Maithê se vê alcançando tudo o que sempre buscou durante todos os seus vinte e cinco anos. Batalhadora e esforçada, sempre dera valor ás pequenas e simples coisas da vida. Morando em uma cidade praiana, assiste...