Lágrimas surgem em meus olhos, mas aguento firme. Não quero chorar agora. Não quero. Não quero! Não posso mais dar uma de fraca diante de uma pessoa que mal conheço, e que parece que seu objetivo geral é somente me fazer chorar e me botar para baixo. Mas o que eu posso fazer? Surtar e ir para cima dele não é uma opção. Além de que eu levaria uma surra e não causaria nenhum hematoma nele, sua última frase não é nada mais que a verdade.
— Quando foi que Lygia deixou você fazer os trabalhos de casa sem insistir para que você fosse à sala ver séries com ela? — ele me pergunta, sem sinal algum de acusação.
— Nunca. — Sou sincera. Chegamos a maratonar a série preferida dela na véspera de uma das minhas provas.
— Quando foi que Lucy não olhou para Louis com segundas intenções, sabendo que ele é seu namorado?
— Ela nunca fez isso! — me exalto, mais por me assustar com sua pergunta nada discreta.
— Você sabe que ela faz, pare de mentir para si mesma. Até existem vídeos deles dois.
Harry não está sendo sarcástico, e muito menos debochando de mim. Isso parece mais um pedido, uma súplica piedosa, para que eu não negue fatos.
O vídeo viralizou na escola no início desse semestre, contendo os beijos fervorosos e mãos-bobas dos dois na escada de incêndio da escola. Fui bombardeada com ele, recebi-o de todos da escola, em todas as minhas redes sociais, mas fingi que nem sabia de sua existência, e fiz de tudo para evitar que chegasse ao alcance de meu pai. Assim doeria menos.
Eu gosto dela. Os sorrisos cúmplices que ela sempre me mandava quando eu aparentava estar tímida no meio de todos agora me parecem mais de pena do que de cumplicidade.
— Nunca — respondo.
— Nunca o quê?
— Lucy nunca olhou para Louis sem segundas intenções — admito, e não é uma boa experiência. Dói.
Eu sabia disso. Mas admitir esse fato é totalmente diferente. Não olho em sua direção, mas sinto quando ele apoia seu corpo na parede e por ela desliza, sentando-se ao meu lado.
— E quando eu ameacei te fazer mal? — E tal pergunta me pega de surpresa.
Reluto um pouco antes de responder, ponderando se deveria falar a verdade. Eu me sinto ameaçada pelo seu modo de falar, pela sua movimentação, pelo seu olhar... Mas não recebi nenhuma ameaça direta.
— Até agora, nunca.
— Até agora? — e quem aparenta estar surpreso é ele, porém, sorri descontraidamente. Não acho motivo algum para sorrir.
— Coisas podem mudar em milésimos de segundos.
Arrependo-me do que falo imediatamente. Ele pode se sentir ofendido com isso e seu silêncio pode ser uma prova disso. Ou talvez tenha soado como uma ameaça. Mas repenso. Não sei se me importo tanto a ponto de pedir desculpas.
— Não nego.
E antes que silêncio tome sua coroa, e reivindique a posse do seu reino, Harry faz com que minha boca se entreabra em surpresa.
— Ouvi dizer que as pessoas confiam mais nas outras quando conhecem mais o outro — diz, como um especialista, enquanto me encara, enquanto sua dicção perfeita se faz presente em cada sílaba. — E mesmo que a senhorita já me conheça há anos, te concedo o prazer de uma pergunta.
Franzo minhas testa, enchendo-a de rugas entre as sobrancelhas. Qual será o seu objetivo com isso? Fazer com que eu confie nele, de certo. Mas, por quê? Nossas conversas já estão beirando a insanidade. Não há como se confiar em alguém que não existe.
— Na verdade, a confiança não deveria ser dada para quem de fato existe, Scarlet. — alerta, com a cumplicidade de uma criança. — Vamos, me faça uma pergunta.
Engulo em seco antes de pôr minha voz para funcionar.
— Qualquer pergunta?
Harry afirma, sem palavras, e ergue sua mão direita. Não entendo seu gesto até que o ser abaixa um dedo e, logo em seguida, abaixa outro. É uma contagem regressiva de cinco segundos para que eu lhe pergunte algo, e não faço ideia de qual das minhas perguntas sobre ele quero que ele responda. Aprendi que, às vezes, o mais básico é o que tem mais valor. E que é mais fácil usá-lo do que perder uma chance de resposta.
— Segundo a lenda, você matou seus pais, e depois, como se já não bastasse o homicídio duplo, você ainda se alimentou deles. — Harry sorri quando ouve minha fala rápida e, infelizmente, obediente. — Por quê?
— Por que você quer saber disso?
— Você não disse que eu tinha restrições... — me defendo.
— Tudo bem. Se você quer falar sobre passado, então lá vamos nós. — Harry respira fundo antes de iniciar qualquer frase, e por um momento, penso que ele vá me ignorar, mas não. Ele me responde com um sorriso.
— Fome, claro. E medo. Não foi a toa como você deve achar que foi.
— Eu... Não foi isso o que eu disse... — isento-me de culpa.
O temido Harry Styles me encara e, neste momento, não consegue me amedrontar com suas expressões duras. Seu tom é bem humorado. Sua troca de humor constante me assusta um pouco. Em um momento, sua prepotência atinge os céus, e tal arrogância, em instantes, é substituída por uma simpatia encantadora, que se manifesta em um sorriso enfeitado por covinhas.
— Mesmo? Eu duvido.
— Então, fique com sua dúvida. — Entro na brincadeira momentaneamente, refletindo o humor de sua fala, mas rapidamente me recomponho. Estamos falando de pessoas que morreram neste exato local, e não puderam nem mesmo descansar seus corpos. Não puderam comtemplar a justiça, assim como várias outras pessoas ao redor do mundo. Não é motivo para bom humor. — Isso foi tão errado... Deviam ter outras opções...
— Como ir ao mercado? Claro! Como eu não havia pensado nisso?
Não compactuo com sua clara ironia, isso não é uma opção tão distante da realidade. Tudo bem que a atual cidade é meio longe daqui, mas o que é caminhar por alguns quilômetros até uma mercearia, comparado ao ato de se alimentar com o cadáver dos próprios pais?
Notando o meu pensamento não consegue entender a clareza inexistente do seu, sua mão novamente agarra a minha, mais delicadamente que da última vez, e sugere que eu reproduza seu ato de dar um passo a frente.
Tento quebrar seu contato para que eu possa erguer-me, mas ele não permite. Beija a minha mão como um cavalheiro que suspeito que ele não seja. Sou obrigada a apoiar meu peso nele e sentir o toque gelado, mas que se tornou e agora é aconchegante, de modo totalmente irracional.
Então, Harry começa a me guiar dentro de toda essa escuridão.

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Prisão |H.S.|
Fanfiction⠀⠀⠀Toda cidade interiorana possui sua lenda, que serve tanto para assustar inocentes crianças quanto para movimentar o turismo local. Após ser presa em uma casa abandonada por seu namorado, Scarlet tem que enfrentar Harry Styles, a lenda d...