02. tapa na cara

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Meu pai sempre me alertava da necessidade vital de se ouvir música boa. Talvez essa seja a nossa conexão mais evidente: nossa paixão por música dos anos 60.

Nos parecemos em outras coisas também, como beber coisas no gargalo, preferir comida enlatada, dar as costas para as pessoas quando nada mais interessa.

Quando ele deu o tapa na cara da minha mãe, os olhos dela se incharam de ódio e foi quando eu descobri o quanto ela podia ficar irada de verdade. Não houve um outro som ecoando pela sala. Não houve nada além da mancha se avermelhando cada vez mais no rosto dela. Ele entendeu que aquele olhar o proibiria até mesmo de se despedir de mim. Eu era uma garota magra e desengonçada cruzando a sala no momento do ocorrido. Então meu pai partiu e nunca mais retornou.

Quando tudo aconteceu, meu cabelo batia na cintura, o que significa que eu tinha dez anos. Naquele momento, eu não soube o que pensar. Não saber o que pensar é algo para ser analisado com cuidado.

É como querer acreditar que o azul é azul, ou que o vermelho é vermelho, mesmo quando em um segundo inesperado, algo te diz que eles não são o que são. Meu cérebro nunca foi bom em desenhar reações para enfrentar desconstruções.

Minha mãe recusou qualquer minuto comigo, apontando para o meu quarto com um dedo indicador firme e decidido.

Peguei o Lulu, o toca-fitas que o meu pai me deu quando eu era ainda mais nova, e entuchei os fones no ouvido. Estava tocando a versão original de The Sound of Silence, do Simon & Garfunkel. Eu só tinha 10 anos e já era doida por músicas do tipo. Ainda associo essa canção ao dia em que ele partiu, mas isso não me faz mal.

Nina já nasceu enferrujadaOnde histórias criam vida. Descubra agora