Nina já nasceu enferrujada

07. bonecas e espelhos

Minha mãe sempre diz que a família do meu pai é um pé no saco. Eu me lembro de pouquíssimos encontros. Pensando bem, não me lembro de nenhum. Minha mãe nunca gosta de responder minhas perguntas sobre meu pai e sempre acaba o assunto lembrando que ele abandonou a nós duas, e violentou-a.

Me incomodo ao notar minha incapacidade de detestá-lo como ela. Ela o detesta. Eu sei que sim.

Quando o primeiro semestre da faculdade se esgotou, eu achei que o Caio e eu pudéssemos passar um tempo fazendo alguma coisa boba ou divertida, como sempre. Mas ele resolveu me descartar e passar um tempo ficando com a Natasha.

Natasha tem os cabelos oleosos demais, óculos fundo de garrafa e usa vestidos que as pessoas costumariam taxar como inapropriadas para um corpo cheio.

Em julho, eu quase não falei com o Caio. Foi chato porque eu estava sem aulas de piano e sem alunos de inglês. A casa de qualquer uma das minhas amigas é sinônimo de brigadeiro, filme e papo sobre garotos. Tentei dividir o tempo com elas por dois dias consecutivos, mas depois acabei fingindo estar ocupada ou doente.

Então passei as tardes com o Lulu e ouvi milhares de repetidas vezes a Fita das 4. É uma gravação estúpida e maravilhosa que eu fiz repetindo quatro canções que eu já venerei muito na vida: "My Girl" do The Temptations, "Pretty Big Mouth" do Count Five, "I Can't Help Myself" do Four Tops e "Funnel of Love" da Wanda Jackson. Eu ainda choro e sorrio ao ouvir a mesma fita.

Não estou preparada para relacionamentos e não faço a menor ideia de em qual século estarei. Porque todo mundo que fala sobre isso também conta sobre sofrimento, apego, exageros, brigas e DRs. Considero tudo isso como perda de tempo. 

Perdi meu BV brincando de ABC na escola. Depois, beijei um menino aos catorze anos, mas acho que ele ficou incomodado demais com as minhas sardas, porque não parou de olhar para ponta manchada do meu nariz diferentão.

E depois eu nunca mais beijei ninguém além de bonecas e espelhos.