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Toda a noite tive deslumbramentos n'alma.

Que esfinge era essa moça de dezoito anos?

Virgem, que o severo pudor velava, e falando de amor com a franqueza e a calma de quem já dele se saciara! Coração puro de paixões e ermo já de esperanças!

Seria a congelação precoce do sentimento?

Não! pensava eu. Deve de ser a ingenuidade da inocência. As rosas de sua alma não podem ter assim murchado na primavera da vida; estão apenas em botão; o que as desmaia é sombra da infância ainda, e não o verme do coração — a dúvida.

Amava Emília, sem o saber; comecei a adorá-la.

Que horas encantadas vivi repassando na memória os seus desdéns! Agora eu os compreendia: eles me revelavam a tormenta de uma paixão nascente, que tolda a manhã da vida, como as tempestades dos primeiros dias do ano. Ela tinha medo de amar-me...Talvez amava-me já, resistindo ainda!...

— Meu Deus! exclamei. — Que fiz eu para tanta felicidade!...

Uma circunstância unicamente me parecia obscura, depois da confidência de Emília. Era a maneira por que me tinha recebido a primeira vez depois da minha volta. Era sobretudo aquele olhar fulgurante de cólera, de tão soberba cólera! Não houvera nos seus olhos despeito só ou repulsão; houvera mais que ódio, profundo rancor.

Uma vez pedi-lhe a explicação desse olhar; ela enrubesceu:

— Não me pergunte isso!... Não lho direi nunca!

Dois dias depois da nossa conversa junto à cascata, fui a Matacavalos, onde esperava encontrá-la. Ia cheio dos enlevos de tão sonhadas esperanças, inundado da felicidade que borbotava em meu seio... Ia assim, transbordando dilúvios de imenso amor, que ansiava por se rojar a seus pés.

E bastou a sua presença para confranger de súbito as enérgicas expansões de minha alma.

Ela respondeu ao meu cumprimento com afabilidade; mas... Era a mesma afabilidade que dispensava à turba dos seus adoradores! Quanto achei doce o passado desdém, que ao menos me distinguia!

Emília mostrava ter completamente esquecido quanto entre nós houvera três dias antes. Uma vez no correr da noite quis falar-lhe. Vendo-me aproximar, toda sua pessoa envolveu-se de repente na frieza glacial, que de longe ainda já me tinha congelado a palavra nos lábios. Essa mulher, cheia de graça e vida, tinha o mágico poder de fazer-se mármore, quando queria.

Nessa noite ela retirou-se mais tarde do que tinha costume. Ao sair passou junto de mim sorrindo:

— Não quis hoje conversar comigo? disse-me com um doce enfado.

Faze idéia do pasmo em que fiquei.

Emília continuou a ser para mim uma esfinge. Animado por aquela palavra afetuosa tornei-me assíduo junto dela; porém encontrava sempre o mesmo acolhimento; gelo na fronte, e sarcasmo no lábio. Era quando eu menos esperava, nalgum momento em que nos achávamos sós, que ela vertia sobre mim, num olhar ou numa palavra, a ternura de sua alma. Mas depois, quantos amargores, quantos azedumes não me custavam aquelas gotas de mel?

A reunião de que me falara D. Leocádia realizou-se afinal. Era o aniversário do Sr. Duarte. A casa do negociante encheu-se pela primeira vez de uma multidão de convidados. A festa começou de manhã e acabou em um baile esplêndido ao alvorecer do dia seguinte.

À noite uma cascata de luz, borbotando dos salões, despenhou-se pelos jardins e alamedas da chácara. Os repuxos de mármore esguichavam rubis e diamantes líquidos. As folhas, que a brisa balouçava, eram nesse adereço do baile as esmeraldas, tremulando entre áscuas de ouro.

Diva (1864)Where stories live. Discover now