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Havia no tratamento de Emília uma variação incompreensível.

Às vezes era uma ternura suave e compassiva, como se ela quisesse consolar-me por não ser amado; outras vezes parecia que a minha paixão a irritava. Tinha então o coração áspero e a palavra acre; mas era justamente nessas ocasiões de tormenta que eu via cintilar em seus olhos um raio de amor, e sentia vibrarem as cordas frementes de sua alma.

Uma noite pedi-lhe que não dançasse mais com o Barbosinha; não que eu tivesse ciúmes de semelhante fátuo; mas era ele desses homens ridículos cujo contato mancha uma senhora. Emília recusou, e eu voltei despeitado.

No dia seguinte encontrei-a agastada comigo:

— Não consinto mais que me ame!... disse-me ela voltando as costas.

Poucos instantes depois, passou pelo braço do Barbosinha e lançou-me este desafio:

— Tire-me do braço dele, se quiser!...

Emília tinha sobretudo um zelo excessivo de sua espontaneidade. Receava ela que a menor graça feita às minhas súplicas valesse como uma prova de amor? Quando lhe pedia alguma coisa, mesmo pequena e insignificante, dessas que a moça a mais austera pode conceder a um indiferente, ela recusava sempre, e com tal firmeza, que me tirava a coragem de insistir.

Se eu me agastava, escarnecia de mim; se me resignava e esquecia sua recusa, vinha espontaneamente com uma singela mas altiva dignidade conceder-me alguma prova de afeição, tal que eu nunca me animara a esperar.

Lembra-me de uma vez que, insistindo eu por um botão de rosa, que ela tinha nos cabelos, Emília conservou-o no seu penteado por muitos dias até secar; como se achasse um prazer infinito em prolongar assim tacitamente a sua recusa. Dias depois, sem que eu lhe pedisse, de improviso, deu-me o seu retrato.

— Guarde-o para lembrar-se de mim!

Depois da noite em que estivemos juntos à borda do lago, Emília parecia evitar-me. Tinha decorrido uma semana. Eram oito horas da manhã; manhã de inverno, coberta de espessa cerração, que peneirava no ar uma garoa finíssima.

Resolvido a não ir à cidade senão mais tarde, estava eu sentado à janela, donde avistava a casa de Duarte. Esperando ver Emília passar na varanda e cortejar-me de longe, como às vezes costumava, eu refletia sem querer sobre esse caráter original de moça.

De repente sou arrancado às minhas reflexões por uma chuva de bogarins; e ouço perto o gorjeio de um riso melodioso, que os ecos de minha alma tanto conheciam. Emília estava defronte, além da cerca de espinheiros que dividia o meu jardim da sua chácara. Uma capa de casemira escura cobria-lhe quase todo o vestido, e o capuz meio erguido moldurava graciosamente seu rosto divino.

O exercício lhe avivara o saboroso encarnado das faces, onde tremulavam algumas gotas da chuva. Seus olhos negros saltitavam de prazer, como dois colibris voando ao meu encontro. Curvava-se para colher os botões de bogarim que me atirava; e tão suaves eram as flexões desse talhe, que apesar das largas roupagens percebia-se a doce vibração do movimento revelado exteriormente por um harmonioso ondulado.

Eu devera já estar habituado aos caprichos dessa moça; mas tudo quanto ela fazia era tão desusado, que me levava de surpresa em surpresa. Assim, correndo ao seu encontro, não achei palavras, mas unicamente sorrisos para acolhê-la.

— Está admirado de me ver aqui? disse ela. — Não gosto de ser contrariada, nem mesmo pelo céu. Acordei hoje com uma alegria de passarinho! Tinha saudade das árvores!... Abri a minha janela; estava chovendo. Ora! Para que se inventaram as capas e os guarda-chuvas? Vi-o de lá pensativo... Em que estava pensando?

Diva (1864)Where stories live. Discover now