PÓS-ESCRITO

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O autor deste volume e do que o precedeu com o título de Lucíola sente a necessidade de confessar um pecado seu: gosta do progresso em tudo, até mesmo na língua que fala.

Entende que sendo a língua instrumento do espírito não pode ficar estacionária quando este se desenvolve. Fora realmente extravagante que um povo adotando novas idéias e costumes, mudando os hábitos e tendências, persistisse em conservar rigorosamente aquele modo de dizer que tinham seus maiores.

Assim, não obstante os clamores da gente retrógrada, que a pretexto de classicismo aparece em todos os tempos e entre todos os povos, defendendo o passado contra o presente; não obstante a força incontestável dos velhos hábitos, a língua rompe as cadeias que lhe querem impor, e vai se enriquecendo já de novas palavras, já de outros modos diversos de locução.

É sem dúvida deplorável que a exageração dessa regra chegue ao ponto de eliminar as balizas tão claras das diversas línguas. Entre nós sobretudo naturaliza-se quanta palavra inútil e feia ocorre ao pensamento tacanho dos que ignoram o idioma vernáculo, ou tem por mais elegante exprimirem-se no jargão estrangeirado, em voga entre os peralvilhos.

Esse ridículo abuso porém não deverá levar ao excesso os doutos e versados na língua. Entre os dois extremos de uma enxertia sem escolha e de uma absoluta isenção está o meio-termo, que é a lei do bom escritor e o verdadeiro classicismo do estilo.

A língua é a nacionalidade do pensamento, como a pátria é a nacionalidade do povo. Da mesma forma que as instituições justas e racionais revelam um povo grande e livre, uma língua pura, nobre e rica anuncia a raça inteligente e ilustrada.

Não é obrigando-a a estacionar que hão de manter e polir as qualidades que por ventura ornem uma língua qualquer; mas sim fazendo que acompanhe o progresso das idéias e se molde às novas tendências do espírito, sem contudo perverter a sua índole e abastardar-se.

Criar termos necessários para exprimir os inventos recentes, assimilar-se aqueles que, embora oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis; e sobretudo explorar as próprias fontes, veios preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas pedras finas; essa é a missão das línguas cultas e seu verdadeiro classicismo.

Quanto à frase ou estilo, também se não pode imobilizar quando o espírito, de que é ela a expressão, varia com os séculos de aspirações e de hábitos. Sem o arremedo vil da locução alheia e a imitação torpe dos idiotismos estrangeiros, devem as línguas aceitar algumas novas maneiras de dizer, graciosas e elegantes, que não repugnem ao seu gênio e organismo.

Deste modo não somente se vão substituindo aquelas dicções que por antigas e desusadas caducam, como se estimula o gosto literário, variando a expressão que afinal de tanto repetida se tornaria monótona. De resto, essa é a lei indeclinável de toda a concepção do espírito humano, seja simples idéia, arte ou ciência, progredir sob pena de aniquilar-se.

Falemos particularmente da língua portuguesa.

A escola ferrenha, que já vai em debandada, mas há cerca de vinte anos tão grande cruzada fez em prol do classicismo, pretende que atualmente, meado do século XIX, discorramos naquela mesma frase singela da adolescência da língua, quando a educavam os bons escritores dos séculos XV e XVI.

Não é isso possível; se o fosse, tornara-se ridículo.

A linguagem literária, escolhida, limada e grave, não é por certo a linguagem sediça e comum, que se fala diariamente e basta para a rápida permuta das idéias: a primeira é uma arte, a segunda é simples mister. Mas essa diferença se dá unicamente na forma e expressão; na substância a linguagem há de ser a mesma, para que o escritor possa exprimir as idéias do seu tempo, e o público possa compreender o livro que se lhe oferece.

Diva (1864)Where stories live. Discover now