American Donkey

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Noah adora contar a nossa história de amor, e com certeza ele soa mais romântico que eu contando-a, mas como ele não está aqui, eu faço questão.

Aconteceu em novembro de 2018, na segunda noite da minha viagem para São Paulo, depois de passar a vida inteira em Porto Alegre, eu finalmente fui para um lugar diferente, o lugar que mudou minha vida. Fui com amigos, iríamos passar uma semana inteira na capital, planejamos a viagem da nossa vida.

No segundo dia eu fiquei mal, tive a dor abdominal mais intensa que já tive em toda minha vida, então resolvi burlar o roteiro e não sair a noite. Perto das dez horas da noite fazia quase uma hora que eu havia pedido o meu jantar no restaurante do hotel, estava com fome e ele não chegava, então resolvi descer para perguntar qual foi o transtorno. Na gerência eu perguntei o que havia acontecido com meu pedido, então o gerente avisou que iria até a cozinha verificar as comandas.

Encostada do balcão do restaurante, eu o vi.

Usava uma camiseta branca com um logotipo pequeno esquisito, jeans gastado e um all star branco. Parecia perdido, percebi que olhava para o pequeno cardápio com o cenho franzido, como se estivesse indeciso, ou sem entender nada. Então ele murmurou algumas palavras, e caso eu não estivesse em seu lado, não ouviria o "holy crap" que ele sussurou desistindo de olhar o cardápio.

Eu me toquei, ele era gringo, e não sabia como pedir nada. Eu me virava muito bem em inglês, então resolvi ajudar.

-Oi, eu posso ajudar você? -Perguntei em inglês, então ele se virou esperançoso, já estava indo embora.

-Eu estou faz meia hora tentando decifrar esss cardápio com medo de pedir alguma besteira. -Falou, os olhos verdes denunciando a esperança.

-Tudo bem, eu ajudo você, sou daqui. -Falei, sorrindo gentilmente. -Tem alguma idéia?

-Sim, algumas pessoas falaram que eu precisava comer algo que eu não lembro o nome, só lembro que é uma fruta. -Ele franziu o cenho pensativo.

-Açaí? -Lembrei. -Você quer comer açaí?

-Isso! -Ele sorriu empolgado. -Isso que Any tinha falado. Como fala? "Our say"?

-Não, se fala "açaí", é uma fruta bastante popular aqui no Brasil, eu não gosto, mas o número de pessoas que a venera é estrondoso.

-É isso que quero comer, não vou tentar pronunciar de novo, vai ser um fracasso. -Ele revirou os olhos. -Se você puder pedir para mim eu serei eternamente grato!

-Claro, eu posso pedir. -Eu assenti. -Só um minuto.

Fiz um sinal para o garçom que estava desocupado, aquela hora da noite o restaurante estava parcialmente cheio. Pedi um açaí de quinhentos ml's, se o gringo não gostasse iria apenas gastar dinheiro. Aproveitei para conferir o que tinha acontecido com meu pedido, e eles tinham enviado para o quarto errado, um erro com o número, então iriam refazer meu pedido do zero, mais alguns minutos esperando.

O açaí do gringo chegou e eu vi ele olhar para o copo com uma cara estranha, ergui as sobrancelhas.

-Tenho a impressão que todo a comida da cor roxa tem o gosto ruim. -Ele falou pegando um pouco de açaí com a colher de plástico.

-Beterraba é bom. -Falei e ele fez uma careta de reprovação.

Ele pegou o açaí e um morango e levou a boca, fazendo uma careta engraçada, então teve um arrepio, eu dei risada.

-Está comprovado, toda a comida roxa é ruim. -Ele falou deixando o copo de lado. -Tem gosto de...

-Terra. -Completei, ainda rindo.

-Exatamente, terra. -Ele riu também. -Como as pessoas comem isso?

-Eu não sei, é como uma febre. -Comentei. -Onde você ir, vai ter a briga do açaí.

-Entendi, mas eu duvido que as pessoas que estão no time do açaí sejam totalmente a favor dele. -Brincou.

-Meus amigos vão rir quando eu contar que pedi açaí para um gringo que nunca vi na vida. -Divaguei. -Você pode ser um assassino.

-Ah, me desculpe. -Ele virou, erguendo a mão. -Me chamo Noah.

-Nicole. -Apertei sua mão. -Seria curiosa demais perguntando o que um gringo está fazendo no restaurante de um hotel essa hora da noite tentando pedir açaí?

-Claro que não. -Ele sorriu. -Estou hospedado aqui com meu grupo, estamos em turnê.

-Grupo? -Ergui as sobrancelhas. -Do que, exatamente?

-Eu e mais treze amigos formamos um grupo de pessoas de diferentes países. Cantamos e dançamos. -Falou, orgulhoso. -Tem uma garota brasileira, mas eu represento os EUA.

-Isso é o máximo! -Falei sincera. -O maior grupo que eu já acompanhei foi um mexicano que fez sucesso aqui alguns anos atrás.

-Eu tenho muito orgulho do que construímos, é um projeto incrível, realmente uma honra fazer parte de algo tão grande com meus melhores amigos. -Falou feliz.

-Vocês vão ficar aqui por muito tempo? -Perguntei curiosa.

-Chegamos hoje, ficamos aqui até sexta que vem. -Falou. Lembrei que era quinta-feira.

-Então vou te dizer um lugar que você precisa conhecer aqui em São Paulo, eu conheci ontem e é lindo, vale a pena conhecer. Se chama Praia Brava, é uma praia aqui de São Paulo, eu conheci ela por acidente, mas eu amei, é calma e bonita, do jeito que eu gosto. -Falei sincera.

-Eu também gosto de coisas calmas e bonitas. -Ele sorriu, mas dessa vez sem mostrar os dentes. -Você pode me levar para conhecer. -Sugeriu.

Eu hesitei. Não era todo o dia que um estranho te convocava como guia turística, mas Noah parecia uma pessoa legal, então...

-Eu posso ver na minha agenda de show super-lotada o que tenho para você. -Falei fazendo uma pose de madame, ele gargalhou.

-Tudo bem, me mande uma mensagem para combinar então. -Ele falou e logo tirou uma caneta do bolso. Eu arqueei as sobrancelhas, então ele explicou. -Algumas fãs me veem de surpresa, então tenho que estar preparado para autógrafos.

Eu ri, então ele puxou minha mão e anotou um número, e embaixo estava escrito "american donkey (noah)".

Ele piscou pra mim, então finalmente o garçom sai da cozinha com duas sacolas, finalmente teria o meu jantar.

-Te vejo em breve, olhos verdes. -Ele falou.

-Vê se não se perde da próxima vez. -Pisquei e me dirigi em direção da saída do restaurante.

Parece que minha dor abdominal iria se estender por mais um dia.

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Written in the Stars - Noah UrreaOnde histórias criam vida. Descubra agora