Miguel vestia um terno preto. Lembrava-se da primeira vez em que o usara e de como seu pai havia constatado que ele crescera. Na ocasião, preparava-se para ir ao casamento de um primo, na mesma época em que havia sido aprovado no vestibular para Medicina, e que, com isso, tornara-se o mais novo motivo de felicidade da família. Isso ocorrera há pouco mais de dois anos. Agora o motivo era outro. Não se tratava de comemorações e alegrias, mas de uma grande perda: a de seus pais.
Ele se olhava ao espelho como se esperasse que seu reflexo não lhe obedecesse. Talvez, que ele saísse e dissesse que tudo aquilo não passava de um sonho e que, ao acordar, sua vida estaria de volta como antes. Porém, nada de incomum aconteceu. Seu reflexo continuava obedecendo-lhe. Seus olhos, castanhos, ainda o fitavam. Seu rosto não expressava mais felicidade, só um interminável sentimento de tristeza.
Olhou uma última vez para o espelho antes de virar-se e sentar-se na cama. Apoiando o rosto nas mãos, passou algum tempo imóvel mergulhado em pensamentos. Nada fazia sentido, só o vazio. Olhou ao seu redor: tudo remetia à sua família, aquele era o seu quarto, era seu lar, o lugar em que sempre teve a certeza de que estaria protegido.
Lembrava-se de sua mãe ajudando-o a ajeitar cada detalhe daquele cômodo. Sua cama sob a janela, seu guarda-roupas branco, sua mesa de estudos e até uma pequena estante onde guardava seus livros. Tudo com sua finalidade e que, no entanto, agora pareciam apenas móveis e objetos espalhados no espaço. Não havia ordem. Sentia-se como o quarto. Incompleto, e sem razão de ser. Não havia mais motivo para querer viver. Levantou-se e olhou mais uma vez à sua volta, despediu-se de sua vida, pois nada mais seria como antes.
Saiu de casa e avistou alguns parentes. Não notou quem eram, apenas entrou em um dos carros e seguiu para o local onde seus pais seriam enterrados.
No cemitério, percebeu uma aglomeração de pessoas, embora não conseguisse distinguir rostos. Sua visão embaçara-se. Parou ao aproximar-se dos caixões e então sentiu um toque em sua mão, porém não ligou. Continuou imóvel, olhando para o vazio que sabia estar preenchido com os corpos de seus pais.
Se não fosse pelos olhos o tempo todo abertos, pareceria dormir em pé. Não reagia a nenhum cumprimento ou consolo dos que passavam por ele. Permanecia na mesma posição, olhando para o mesmo ponto. Perdeu-se no tempo. Sua atenção só foi desviada quando um raio caiu avisando da tempestade que se aproximava. Como se estivesse sendo chamado, ele olhou para o céu e voltou a olhar para os seus pais, agora já enterrados. Ao virar para o lado, surpreendeu-se ao ver sua amiga Lívia, que continuava ali, segurando sua mão. Foi então que entendeu que a amiga estivera ali desde o início. Ela olhava-o assustada, quando, então, ele a envolveu com o braço e a conduziu à saída. Ninguém mais estava presente, apenas os dois.
Lívia levou Miguel para a casa dele, onde poderiam abrigar-se da chuva, que começara. Os dois ainda não haviam dito nenhuma palavra desde que chegaram.
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Archangelus: O Despertar
FantasyApós a trágica morte dos pais, Miguel tenta retomar sua vida quando fatos misteriosos começam a acontecer. Junto de sua grande amiga Lívia, acaba perdido em outro mundo em meio a uma grande guerra. Tentando descobrir o que está acontecendo e buscand...