Capítulo 22

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Apresso-me a sair do autocarro assim que este para na paragem quase em frente à minha casa. O vento gélido embate-me na face, fazendo-me arrepiar de maneira leve. Tenho saudades do verão. Coloco as mãos nos bolsos e caminho devagar até ao pequeno portão branco. Reparo, ao fundo da rua, num SUV preto demasiado familiar. 

O meu estômago contrai e as minhas mãos gelam. Penso em fechar o portão o mais rápido que consigo e enfiar-me dentro de casa, mas isso é só idiota. Ele já me viu. Suspiro enquanto o seu carro para em frente ao meu portão. O motor é desligado e Harry sai demasiado rápido de dentro do veículo. Mais rápido do que eu queria. 

Ele enfia os dedos pelo seu cabelo, ajeitando-o. Ele está agora com outras roupas casualmente escuras. O seu lábio continua inchado e alguns hematomas estão espalhados pela sua face. Aproxima-se do passeio e sobe-o calmamente. Os seus olhos nos meus, mandando arrepios pela minha espinha e fazendo as minhas mãos suar. 

"Como foi o almoço?" Ele pergunta irónico, encostando-se ao seu carro e cruzando os braços esperando. 

Estreito os meus olhos em confusão e tento perceber onde ele quer chegar. Coloco uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e arranjo maneira de lhe responder, mas ele apressa-se a cortar-me. 

"Parecias animada." 

O seu olhar desafiante faz-me ferver em pouca água. Uma corrente elétrica percorre o meu corpo, fazendo-me tremer ligeiramente de nervos. 

"Como assim, Harry?" tento manter a calma. 

"Como assim, Emma?" ele passa a língua pelos seus lábios humedecendo-os, esperando uma resposta. 

"Eu-eu não sei o que queres que diga." Respondo baixo encarando os meus pés, evitando o seu olhar. 

"Merda, Emma." volta a passar a mão pelo seu cabelo, a sua raiva está maior agora enquanto ele se aproxima do portão. "Sim, eu estou bem. Obrigado pela preocupação." Ele ironiza. 

"Harry eu-"

"Tu o quê?" Ele respira alto. "Tu o quê, Emma?" o seu peito sobe e desce rapidamente e é estranho vê-lo perder a paciência comigo, ele costuma ser bem calmo nas nossas discussões. 

"Eu ia ligar-te depois do jantar..." sussurro. 

Ele ri-se ironicamente, fazendo-me tremer. 

"Claro." Ele estala e desencosta-se do carro. 

O seu olhar cai no meu uma última vez antes de caminhar em volta do automóvel. 

"Onde vais?" 

"Vou-me embora. Estou farto de ser a porra de um boneco." Diz enquanto abre a porta do carro. "Já desperdicei demasiado tempo contigo." 

Passados poucos segundos ouço o carro a arrancar. 

Pensei em gritar, fazê-lo parar, mas estou demasiado cansada para conseguir pensar direito. A minha vida está uma confusão de há uns meses para cá e o episódio de hoje piorou-a circunstancialmente. Sinto-me culpada por o ter deixado ir, a verdade é que eu sempre fui egoísta ao só pensar em mim. Hoje pareceu-me sensato acudir Matt, mas claramente eu tinha escolhido o lado errado. Pelos vistos, eu sou boa a fazer isso. Sei que errei quando chego a casa e não me sinto realizada. O meu pensamento esteve sempre no rapaz de cabelos castanho chocolate e nos seus olhos verdes. No entanto, eu pareço idiota ao estar constantemente a afastá-lo. 

Suspiro cansada e entro em casa. Ao que parece, em meses, hoje vou ter um jantar de família. Subo as escadas e corro para a casa de banho onde tomo um banho rápido, tentando limpar a minha mente. No quarto, visto um pijama demasiado quente e penteio o cabelo. Pego no meu telemóvel e penso numa forma de remediar o que fiz, mas desisto da ideia e decido descer. 

Na cozinha, ajudo a minha mãe com o jantar. Ao que parece ela tem tido bastante trabalho e vai subir de cargo, o que talvez a permita passar mais algum tempo em casa. A minha mãe conta-me todas as fofocas e eu rio. Tinha saudades disto. Passa-me pela cabeça desabafar com ela, mas desisto da ideia ao pensar na confusão que a minha vida está. Harry é o meu patrão e eu não devia estar a apaixonar-me por ele. 

O jantar foi uma excelente forma de me distrair e me fazer pensar no que tenho de fazer. Amanhã é um novo dia e eu vou, com certeza, aproveitá-lo.

** 

O sol finalmente nasce, embora o tempo parece um pouco nublado. Passei a noite em branco a pensar nas possibilidades que tenho para resolver o que quer que seja que esteja a acontecer com Harry. Sem saber bem porquê, eu sinto que o tenho de fazer. Ele tem-se tornado importante para mim nestes últimos tempos, muita coisa aconteceu, mas eu posso garantir que, apesar de tudo, ele se preocupa realmente comigo. E eu preocupo-me com ele.

Quando o despertador toca eu quase agradeço aos céus. Levanto-me rapidamente, arrependendo-me logo de seguida ao sentir-me tonta por me ter levantado de forma tão brusca. Os meus olhos caem no espelho e eu não pareço tão mal como pensei, as olheiras não estão muito profundas. Nada que corretor não resolva. 

Tiro uns jeans azuis escuros e uma blusa branca, apressando-me a vestir. Coloco o meu blazer preto e calços uns sapatos de salto alto suficientemente confortáveis. Na cozinha, preparo os meus cereais com leite vegetal e como-os o mais rápido que consigo sem me engasgar. Subo novamente até à casa de banho onde me maquilho - algo simples, como sempre - e faço leves ondas no meu cabelo. O resultado parece-me bem. 

Chego a horas ao trabalho, o que agradeço mentalmente. Caminhar de saltos nunca é boa ideia. Denyse já está na sua cadeira, sorridente ao ver-me. 

"Bom dia!" Digo animada. 

"Uau, bom dia!" Denyse pisca o olho de forma matreira. 

Coloco as minhas coisas na minha secretária e quase corro de nervos até à máquina do café - pronta para ir até aquele gabinete e tentar resolver as coisas. 

"Parece-me que hoje não precisas de levar o café." Denyse declara. Franzo o cenho em confusão. "Mr.Styles não está cá, nem vem." Ela esclarece. 

O meu semblante cai em segundos e tudo o que tinha planeado fora por água abaixo. Dou-lhe um sorriso falso e volto para o meu lugar, tentando concentrar-me ao máximo. 

A manhã foi desconcertante, tentei ao máximo focar-me nos relatórios mas tudo o que passava na minha mente era o rapaz dos olhos verdes. Quando todos saíram para almoçar, decido pegar no meu telemóvel. Quem sabe, pode ter acontecido alguma coisa ou ele ter tido alguma complicação devido à briga de ontem.

"Está tudo bem?"

Envio sem pensar. No minuto seguinte o telemóvel vibrou fazendo-me estremecer. 

"Apresentação de um projeto." 

A sua resposta curta faz-me engolir em seco, mas decido seguir forte. 

"Não me avisaste, não estava na tua agenda." 

"Acontece." 

Reviro os olhos e trinco o lábio em apreensão. 

"Estas muito longe daqui?"

"Nem por isso. Porquê?" 

O meu coração bate forte e a minha respiração descontrola-se. 

"Podemos almoçar juntos?" sugiro. 

A resposta leva uns minutos, fazendo-me hesitar. No momento em que o telemóvel vibra as minhas mãos congelam e ao ver a morada corro sala fora para apanhar o autocarro o mais rápido que consigo.

Brincar com o Fogo, queima [HS]Onde histórias criam vida. Descubra agora