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O intenso movimento das ruelas da città alta já haviam se tornado comuns para mim, apesar de não me agradar muito, cresci dividindo minha cidade com diversos estranhos. Quando era mais nova, eu, Lucy e Vero costumávamos correr pelas ruas da nossa vizinhança como toda criança da nossa idade, esbarrando vez ou outra nos turistas que caminhavam por ali, nossa euforia não nos permitia parar para nos desculpar, nós apenas seguíamos em frente com a brincadeira. Hoje, acho que eles estão aplicando sua vingança, por que durante 50 metros que percorri após sair do funicolare já haviam esbarrado no meu ombro quatro vezes, apesar de estar andando de cabeça baixa para esconder meu olho, acho que eles deveriam estar mais atentos por onde andam.

Mesmo tendo um sentimento de dia concluso, após passar por tantos acontecimentos durante a manhã, tinha ciência que eram apenas 14:00h. As nuvens estavam sumindo aos poucos e a temperatura começava a subir, mas não a ponto de incomodar. Durante a caminhada lembrei de ter esquecido a chave de casa, o que não era um problema de fato, eu apenas teria que encontrar com Vero e Lucy com as roupas de Camila, já que havíamos combinado de nos ver após a aula no Parco di San Giovanni.

Continuei a andar em lentas passadas, a dor no tornozelo ainda não havia passado e eu não queria piorá-la. Ao passar em frente ao pequeno prédio em que morava agradeci por não ter conhecidos na rua, assim não precisaria dar satisfações sobre como meu rosto aparentava, segui com meus passos calmos pela via Gaetano Donizetti passando pela Fontanone Visconteo e pelas laterais da Basílica de Santa Maria Maggiore, apesar de estar tentando esconder o rosto não pude deixar de elevar a visão para a alta torre da Basílica, eu tinha o privilégio de observar a construção todos os dias, já que morava a pouco menos de 100 metros dela, porém nunca a deixara de admirar, era um dos meus lugares preferidos em Bergamo, sem dúvidas, e antes de seguir pela via Arena enfrentei um pequeno aglomerado de pessoas em frente a sua entrada Sul. A essa hora os turistas se misturavam com alguns estudantes que saiam do Liceo Paolo Sarpi, minha antiga escola que ficava em frente à entrada Sul da Basílica. Mais uma vez tentei passar despercebida, e funcionou.

A via Arena não possuía comércios e alguns de seus prédios estavam fechados, desse modo ela tinha um movimento quase nulo de pessoas, em horários específicos ela até poderia dar medo. De cabeça erguida, dessa vez, segui por 200 metros entre os prédios da via até finalmente estar em frente ao Seminário Vesconvile Giovanni XXIII, em dado momento durante esse trajeto, resolvi usar o guarda-chuva de bengala, para o apoio do tornozelo machucado.

O fato de que tudo em Bergamo contava uma história me atraía, era engraçado que não importava para onde você olhasse, sempre teria uma construção historicamente importante no seu campo de visão. Após observar brevemente o monumental seminário, eu então comecei a descer a leve inclinação da via Mura di Santa Grata que ficava paralela a que tinha acabo de percorrer, e assim que dobrei a esquina a Città Bassa foi exposta alguns metros abaixo, eu amava essa paisagem, não voltei a abaixar o rosto nenhuma vez durante o trajeto, a fim de conseguir apreciar o máximo possível daquela visão, dessa forma caminhei até atravessar a via delle Mura e finalmente chegar ao Parco di San Giovanni. O parco se trata de uma das extremidades da muralha que circunda a città alta, esse espaço servia de observatório e possuía alguns canhões para a proteção da cidade durante a idade média. O lugar também estava repleto de turistas observando a cidade abaixo dos nossos pés, manquei lentamente entre eles em direção ao lugar que sempre ficava com as meninas. Ali no alto e sem a proteção das construções o vento conseguia movimentar todo meu cabelo, fazendo-o parecer ter vida própria.

De longe pude enxergar Vero e Lucy sentadas na muralha em nosso lugar habitual, Lucy no muro sul e Vero no Oeste, o encontro das duas muralhas era reservado para mim. Elas não pareciam estar conversando, Lucy escrevia em seu caderno, ou tentava, já que o vento o todo tempo insistia em bagunçar suas folhas, já Vero estava observando o telhado laranja das casas a sua frente enquanto tragava um cigarro, eu não estava perto o suficiente para ser notada. A saudade que sentia delas parecia explodir agora que as observava, o que parecia bobagem, já que havia visto elas no dia anterior.

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