Nunca soube que podia estar tão gelado no meio do Verão. Enquanto que ando para fora do aeroporto, começo a arrepender-me de tudo. Penso em passar pela alfândega e em como nervosa estou. Eles podiam pensar, facilmente, que eu sou alguma terrorista, porque não tinha maneira de responder a todas as perguntas que me faziam e eu apenas pestanejo os olhos como uma idiota.
No avião, conto o dinheiro que ainda me sobra, e tenho a certeza de que não é suficiente. O bilhete foi mais caro do que eu pensei, e agora já só tenho umas centenas. Pergunto-me se os meus pais já se deram conta de que vim embora. Deves perguntar se os meus pais se deviam importar mais depois de tudo o que aconteceu, mas não os meus pais.
Consigo imaginar o meu irmão a rir-se e a dizer: “Do que estavas à espera mãe? Ela é impulsiva.” Está aprovado que sim. Tenho a certeza absoluta de que estar na esquina de uma calçada em Londres com apenas uma mala com os pertencentes e sem dinheiro suficiente para durar uma semana explica isso.
Depois de estar uns minutos na esquina de uma calçada, apenas a admirar os edifícios à minha volta, começo a andar para, pelo menos, admirar a cidade sedutora. Sabe-se lá quanto tempo vou cá estar? A Ellie estaria a tirar tantas fotos.
Enquanto ando, é a primeira vez na minha vida que onde não olho para trás para verificar se alguém me está a seguir. É a primeira vez que a cidade das câmaras “hás got my back” (me protege) … e eu sinto-me protegida.
Ando um bocado, sem pressa. Onde tenho de ir?
Não interessa, quando passo por um café chamado “Koffe Kall”, olho para dentro e vejo filas de pessoas. Devagar, entro e o meu nariz é imediatamente atacado com o cheiro de baunilha quente. Passo pela fila de pessoas mal-humoradas e atrozes que bebem café, e aceno a um funcionário do café.
“Como posso ajudá-la?” ela pergunta, um pouco confusa.
“Uhm….Estão à procura de alguém para trabalhar aqui?” mordo o meu lábio.
“De facto estamos! Apenas dois trabalhadores é muito complicado. Sou Mary Kall.” Ela sorri, e estende-me a sua mão para um aperto. Provavelmente tem a idade da minha mãe, talvez um bocadinho mais velha, mas nunca tinha visto alguém com aquela idade a parecer tão feliz e ativa.
Ela curva-se e recebe um papel debaixo de uma secretária. “Toma, podes preencher numa das mesas. Depois quando a fila diminuir eu vou-te entrevistar, ok?” ela sorri. Aceno e sento-me numa mesa florida e circular, apreciando as pessoas à minha volta. Estas são as típicas pessoas inglesas, a beber café e chá com o mindinho levantado e com um sorriso nas suas faces.
É quase pacifico ouvir a campainha da porta, de cada vez que alguém entra ou sai. Enquanto que preencho a minha candidatura de alguma forma, vejo a fila de pessoas a diminuir. É engraçado, como tanta gente se importa com café. Rio, quando vejo os seus sorrisos a aparecer assim que recebem os seus cafés.
A campainha toca novamente, e ouço o barulho de botas. Desvio os meus olhos e vejo couro preto e botas com fivelas pretas. Viro a minha cabeça para o papel e continuo a preencher as questões, considerando que a única maneira de comer é arranjando um trabalho.
De repente, a paz foi-se embora. A segurança? Desapareceu. Começo a sentir-me agitada por isso pouso o meu lápis e olho para cima. Os meus olhos encontram um par de olhos esmeralda e sustenho a minha respiração. Aquele estranho continua ali, a olhar para mim. Mordo o meu lábio, ansiosa e olho para outro lado, esperando que ele pare de olhar. Dou um espirro e ele continua, com as suas mãos nos bolsos e com um sorriso dissimulado na boca. Observando-me. Eu vesgo os meus olhos para ele, tentando pô-lo desconfortável, mas ele nem pestaneja. Apenas ajeita o seu gorro, revelando alguns caracóis escuros e pressiona os seus lábios.
A dor familiar no meu peito aparece, a única que desprezo tanto. ELE admira-me assim. ELE olha-me assim.
O meu peito incha e desincha, mas continuo a sentir os seus olhos em mim. E odeio. O medo está a engolir o meu corpo, quem quer que seja este homem. Agora a Ellie não está aqui para me proteger, sou só eu.
“Estás preparada querida?” a minha cabeça dispara em direcção a Mary Kall que está perto da minha mesa. O meu coração pára por um segundo, em gratidão, e volta para um ritmo normal e inquieto. Sinto-me um pouco envergonhada da maneira que estou, a pegar nos papeis. Ela guia-me para além da fila de pessoas, e eu não olho para trás. Não quero, porque ainda sinto os olhos dele a serpentearem o meu corpo. Trás todas as memórias de volta, a sensação de estar a ser observada. Porque é exatamente o que está a acontecer, ele está a olhar para mim, à espera.
Eu sigo a Mary enquanto ela abre a porta deslizante, entrando para dentro da cozinha. Sinto-me corajosa, dando-me conta de que não sou carne. Viro-me e apanho os seus olhos enquanto o seu sorriso cresce, revelando duas covinhas profundas. Notei no seu braço cheio de tatuagens, tão escuras e ilegíveis; juntamente com uma tatuagem de uma Âncora (Anchor) a negrito, que está a ser atacada por uma onda no seu pescoço. Rapidamente, abano a minha cabeça para ele para lhe mostrar que não estou a ir na sua cantiga. Não sou a cantiga de ninguém. Depois, sigo a Mary para uma sala.
~
A Mary Kall era extremamente simpática. Não estava a contar dizer-lhe como vim parar aqui mas escorregou-me. Agora aqui estou eu, num apartamento em cima do café porque ela deixou-me graciosamente deixar-me ficar aqui até arranjar o meu espaço.
Exemplo: Porque é que os britânicos são melhores que os americanos.
Ela deu-me algumas receitas que tenho de memorizar durante esta noite, para assim poder trabalhar amanhã. Parte de mim não acredita no que está a acontecer, que posso, eventualmente, ficar aqui. A milhares de quilómetros de casa. Mas nunca foi uma casa. Quando a Ellie partiu, eu também. Demorou algum tempo a acordar.
~
Acordo às duas da manhã, devido a uma mistura de pesadelo e jetlag. Sinto falta da minha varanda, que era para onde eu ia sempre que acordava de um pesadelo.
Pego no meu pacote de cigarros da minha bolsa e tiro um. Cavo a minha mão no bolso da frente à procura do meu isqueiro, até que o encontro. Deslizo para dentro de um dos casacos quentes que a Mary me emprestou, abro a janela e arrasto-me para o telhado.
Devagar, acendo o meu cigarro e expiro O’s, deixando o fumo destruir os meus pulmões. Matares-te lentamente é o único controlo real que tens na tua vida.
Observo as ruas de Londres e deixo o meu cigarro acalmar os meus nervos. Estou quase calma, até que ouço um grande bang, vindo de debaixo de mim. Inclino-me e vejo um grupo de homens a discutir. Cubro a minha boca impedindo-a de fazer algum barulho, pois estes homens não parecem normais.
Eu nem consigo perceber o que dizem. Soam zangados e bêbedos. Pelo menos quatro homens justam-se em volta de outro homem. Um empurra-o e ele fica firme. Quando um levanta a mão para lhe dar um soco, ele agarra o seu pulso e gira-o até o homem cair ao chão. Depois eles batem-se uns aos outros. Eu sinto-me como se estivesse a testemunhar um crime, um homicídio. Acho que não aguento ver outro.
Comecei a fugir de volta, para mais perto da janela, mas os homens ainda estão à vista. Um a seguir a outro, eles caem, enquanto que este homem lhes tira a dignidade. Ele também está bêbedo, pois mal se aguentava de pé, mas como lutava com 4 homens maiores que ele… nem estava perto de ser uma luta.
Eventualmente, ele é o único de pé. Ele ri-se muito, enquanto pontapeio o primeiro homem a quem deu um soco e depois vira-se e dirige-se para a direção oposta. Com o luar carregado, e o meu coração quase a sair do meu peito, consigo ver claramente a tatuagem da âncora no seu pescoço, enquanto que desaparece de forma bêbeda, pela noite fora.
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