Capítulo 2

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Letícia

Quando o táxi parou em frente ao prédio em que eu morava, conferi com o motorista o valor alto e peguei todo dinheiro que havia em minha bolsa. Minhas lágrimas ainda não haviam cessado e por provável pena, ele me deixou que descesse mesmo faltando uma quantia para completar o valor da corrida. Aquele gasto não estava nos meus planos e me deixaria sem dinheiro algum até final do mês, mas eu precisava sair dali o mais urgente possível. Não tinha condições de voltar para dentro do bar depois das coisas que ouvi do Marcos.

Somos namorados há pouco mais de um ano e a situação ocorrida hoje estava cada vez mais frequente em nosso relacionamento. No início do namoro era tudo maravilhoso e ele me tratava como uma princesa, mas há, pelo menos, seis meses estávamos brigando por coisas bobas. No final das discussões ele acabava me destratando, seja quando estávamos sozinhos ou na frente dos seus amigos, me deixando extremamente envergonhada e por isso acabava indo embora sozinha.

Eu tentava sempre agradá-lo e me comportar da melhor forma possível quando estava perto dos seus amigos, mas nunca era o suficiente. O Marcos encontrava problema em tudo e os motivos das brigas eram os mais variados possíveis. Ou porque minhas roupas estavam curtas, justas ou feias demais, ou quando ele cismava que algum cara estava me olhando e ainda insinuava que eu retribuía, ou se eu tentava interagir com alguma pessoa do grupo e ele ficava enciumado.

Sei que eu dava motivos para ele agir assim, pois eu tinha a personalidade forte e o enfrentava em alguns casos, porém havia vezes que eu realmente não entendia o que acontecia e sempre acabava levando a culpa pela situação.

Entrei em meu apartamento enxugando minhas lágrimas e minha amiga logo se levantou do sofá vindo até mim. Ela já estava acostumada com aquelas situações e sempre me consolava quando eu chegava daquele jeito no apartamento em que dividíamos.

Nayara me abraçou, permitindo que meu choro aumentasse ao ponto de soluçar e molhar toda a manga do seu pijama. Quando eu me acalmei, ela me levou até meu quarto e pediu para que eu fosse tomar banho, enquanto esperava sentada em minha cama.

Assim que saí, secando o cabelo com a toalha, ela me encarou e soltou um suspiro, sabendo que nada do que falasse adiantaria. Eu o amava e não pensava em terminar nosso namoro, mesmo que o Marcos permitisse isso. Até cogitei certa vez, mas ele não me deixou fazer aquela burrada e me convenceu que havíamos sido feitos um para o outro. Acabei concordando e as coisas ficaram melhores por algum tempo, mas logo ele tornou a ficar estressado com o trabalho, os clientes e sua pós-graduação, e minhas exigências de atenção o fizeram surtar novamente.

— E aí, o que foi dessa vez? — Nayara indagou e eu entortei os lábios.

— Os amigos do trabalho queriam ir para uma boate e eu comentei que não poderíamos ir, pois amanhã temos trabalho. — Expliquei com relutância, sabendo que logo viria sua crítica — Mas ele disse que iria sozinho e eu me chateei.

— Você está chorando por isso? — Perguntou e eu assenti, mesmo que aquilo fosse mentira — Sério, Letícia? — Ela franziu o cenho e agitou a cabeça negativamente — Você sabe o que eu penso, então....

— Obrigada Nayara. Vou me deitar agora. — Falei, pois, minha cabeça realmente doía e ela concordou, suspirando alto.

— Vamos ver quanto tempo vai demorar para vir atrás e qual vai ser o presente dessa vez.... — Ela falou irônica e saiu do meu quarto.

Deitei-me em minha cama, checando que ainda era cedo e peguei meu celular para mandar-lhe algumas mensagens. Esperei uns dez minutos e não obtive resposta quanto ao meu pedido de desculpas e nem o pedido para ir dormir comigo naquela noite. Fechei o WhatsApp e passei a ligar para o seu número, mas após quatro tentativas e todas indicando que seu celular estava desligado, eu desisti e fui dormir.

Acordei na sexta-feira bem cedo e a primeira coisa que fiz foi verificar meu celular. As mensagens sequer haviam sido visualizadas e quando eu liguei, descobri que continuava desligado. Respirei fundo e fui para a biblioteca da faculdade onde eu trabalho, pois sou bolsista. Sei que uma hora o Marcos me procuraria e tudo ficaria bem. Era sempre assim.

O dia passou, assim como o final de semana e meu namorado não havia entrado em contato comigo. Na segunda-feira à tarde, eu estava saindo do meu prédio, quando vi seu carro estacionado na calçada. Ele desceu e veio em minha direção, selando nossos lábios como se nada tivesse acontecido.

— Oi? — indaguei confusa.

— Oi amor. Como está? — Ele perguntou com tanta naturalidade, que eu lhe julguei cínico.

— Quanto tempo, hein Marcos? — falei irônica e dei um passo para trás — Achei que não estávamos mais juntos depois de todos esses dias.

— Claro que estamos. — Ele franziu a testa, parecendo indignado — Por que não estaríamos? Foi apenas o final de semana....

— Justamente — afirmei — Você sumiu o final de semana de novo e nem me respondeu. Mandei várias mensagens e liguei muitas vezes.

— Letícia, você sabe como meu tempo é corrido. — Ele retrucou com obviedade — Fiquei preso na firma até tarde na sexta-feira e preferi descansar no final de semana.... Afinal, você foi tão grossa comigo naquele dia que pensei que uns dias fosse nos fazer bem.

— E você decidiu isso sozinho? — Eu ri debochada e ele deu de ombros, engolindo seco — Você sempre faz isso. Some o final de semana todo e eu fico atrás de ti.

Dei um passo para o lado, tentando desviar dele, mas sua mão segurou-me pelo antebraço com certa força. Olhei seu aperto em minha pele e depois subi até seu rosto, percebendo sua mandíbula travada, por possível insatisfação quanto à minha resposta.

— Agora a culpa é minha? — Ele indagou irritado, porém parecendo bem surpreso — Você se lembra da ceninha que fez diante dos meus amigos?

— Que cena? — falei indignada — Só falei que não iríamos acompanhá-los, porque no dia seguinte tínhamos trabalho.

— Você me desacatou na frente deles! — Marcos disse enfático — Eu já te falei para não me envergonhar quando estivermos juntos e nem tirar minha autoridade.

— Eu não fiz isso. — Murmurei surpresa, franzindo a testa — Só achei que você também não sairia.

— Não é você quem decide isso, sou eu! — Ele disse enfurecido, ainda apertando meu braço e então eu puxei, forçando-o a me largar.

— Certo, Marcos. — Suspirei — Não quero mais discutir. Agora preciso ir para a aula.... Depois nos falamos.

— Letícia, eu não terminei! — Ele gritou e enquanto eu andava apressadamente para o ponto de ônibus, o percebi me seguir.

Tentei andar mais rápido que pude, mas não foi possível. O Marcos me puxou novamente pelo braço e ignorou meus resmungos, me arrastando para o seu carro. Bufei irritada quando ele fechou a porta, trancando-me, e então entrou no lado do motorista, saindo com o carro, mesmo diante meus resmungos de que precisava ir para a faculdade. Não adianta falar, ele não me escutaria, não me obedeceria e só iria me deixar sair dali depois que eu pedisse desculpa e admitisse que está tudo bem. Era sempre assim.

Contramão (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora