Capítulo 3

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Rodrigo

Assim que o relógio marcou dezoito horas, arrumei minhas coisas e saí com pressa para o meu primeiro dia de aula. Eu teria uma turma do terceiro semestre, com três aulas durante a semana, e mais uma turma do quinto, com duas aulas.

Cheguei até a sala dos professores, conheci algumas pessoas que estavam ali e depois segui até a sala com número indicado. A maioria da turma era masculina, como o esperado, tendo apenas duas garotas sentadas bem na frente. Eu me apresentei e expliquei como trabalharia o conteúdo, além de explanar sobre minha forma de avaliação.

Como eu tive muita dificuldade em aprender o conteúdo na faculdade, decidi que trabalharia com eles com alguns trabalhos extras para acompanhar o aprendizado deles e pontuá-los sempre que necessário.

Segundo a lista de presença que eu tinha em mãos, alguns alunos haviam faltado, então decidir não passar nada além de uma revisada geral sobre minha disciplina. A aula terminou uma hora e trinta depois e eu apenas arrumei minhas coisas e fui embora.

Na quarta e na sexta-feira eu voltei a ter aula com aquela turma. No meu segundo dia percebi que novamente uma aluna havia faltado, mas o restante dos alunos estavam ali. Terminei o conteúdo a ser aplicado e passei um trabalho com determinada pontuação para que eles me entregassem na aula seguinte.

Saí de lá conversando com dois alunos, que tinham dúvidas sobre umas questões da carreira e fui direto para meu apartamento quando fiquei livre deles. O Robson havia me ligado, querendo sair para ir a algum barzinho, mas eu realmente estava cansado. Como ele estava pela rua, acabou passando em minha casa e não tive escapatória. Acabei saindo com ele para comer algo e tomar um chopp.

Sentamos em uma mesa bem no canto do espaço e pedimos alguns pastéis e duas cervejas. Ele começou a contar o drama a respeito de uma garota que estava saindo há uns meses e eu me distraí totalmente com sua história engraçada. Quando nosso lanche chegou, ergui o rosto para agradecer ao garçom e vi uma moça passar em direção aos banheiros que ficavam por trás do bar. Franzi minha testa tentando lembrar-me de onde a conhecia, mas não consegui de imediato.

Comecei a comer, bebendo minha cerveja, sabendo que ela passaria de volta e então eu poderia olhá-la melhor e talvez reconhecê-la. De repente vi sua figura apontar e no momento em que suas mãos jogaram seus cachos para o lado, recordei-me da semana passada. Era ela. A moça que estava chorando da calçada.

O Robson parou de falar, vendo-me surpreso e então acompanhou meu olhar, que guiou a morena até uma mesa bem afastada da nossa, onde pude ver o Marcos sentado com dois caras lá da firma. Fiquei aliviado em saber que ela estava bem, mas, ao mesmo tempo, fiquei preocupado, pois sexta-feira à tarde ouvi um boato pelos corredores da empresa, que o Marcos e mais uns caras haviam passado a noite de quinta em uma casa de shows, regados a muitas mulheres.

A moça se sentou ao seu lado e ele passou o braço por trás do seu corpo, puxando-a para sua lateral. Ele conversava animado com os amigos, enquanto ela parecia acanhada e nem um pouco à vontade por estar ali. Sua feição era séria e mesmo que tivesse a aparência bem bonita, ela tinha um semblante abatido.

Sexta-feira cheguei à faculdade e segui direto para minha turma do terceiro semestre. Faltava apenas cinco minutos para o horário inicial da aula e eu já queria recolher os trabalhos, ansioso pelo que eles poderiam ter feito. Confesso que nunca na minha vida eu pensei em ser professor, mas era tão interessante repassar meu conhecimento e ainda os ver interessados no que eu fazia ali. Devo dizer que era bem gratificante.

Já havia passado quase vinte minutos do início da aula e eu estava de costas, anotando algumas observações no quadro branco, quando a porta rangeu ao se abrir. Como ela ficava no fundo da sala, de frente para um pequeno tablado onde eu estava, todo aluno que entrava tinha que caminhar pelo corredor em minha frente até se sentar.

Girei apenas minha cabeça para ver quem havia entrado e foi quando me deparei com ela vindo em minha direção. Carregava uma mochila e dois livros contra seu peitoral, mantendo o semblante de tristeza que vi outro dia no barzinho. Vestia-se com tanta simplicidade, usando calça jeans e uma camiseta mais justa, que nem parecia a moça arrumada de duas noites atrás. Seu cabelo cacheado estava preso em um rabo de cavalo e ela não usava nenhuma maquiagem.

— Com licença, professor — falou acanhada e entrou em uma das fileiras do meio, sorrindo fraco para seus colegas.

— Oi. Você é dessa turma? — Indaguei confuso, me virando de frente e indo até a ponta do tablado, na direção que ela estava.

— Hã, sim. — Ela respondeu de testa franzida, colocando os livros sobre a carteira e a mochila no chão ao seu lado.

— Seu nome? — perguntei curioso e me dirigi até a mesa, onde havia a relação de alunos da turma.

— Letícia Ramos — respondeu, me fazendo perceber que ela havia faltado as duas primeiras aulas.

— Certo. — Assenti e ergui a cabeça — Sua primeira aula, né? — Eu a encarei e ela assentiu, não estando tão confortável — Bom, sou Rodrigo, professor de ciência dos materiais e te aconselho a não perder mais nenhuma aula, pois estarei sempre passando trabalho com pontos complementares ou extra, caso venha precisar.

Ela assentiu novamente e abaixou a cabeça, abrindo seu caderno. Realmente não sei se ela havia me reconhecido do dia que chorava na calçada, pois a garota pareceu bem desconfortável pelo restante da aula.

Assim que terminei, chequei o relógio e informei que a turma já estava liberada. A próxima aula não seria ali, pois vi todos saindo com seus materiais e eu planejava fazer o mesmo, mas então senti alguém se aproximar de minha mesa.

— Professor.... — Ela falou acanhada e eu ergui a cabeça, lhe encarando — Fui informada sobre um trabalho para ser entregue hoje.

— Sim, passei na aula passada — expliquei sucintamente.

— Eu estava doente e não pude vir, então gostaria de pedir para entregar na próxima aula. — A morena falou, me deixando surpreso com sua mentira, então fiquei calado por alguns segundos.

— Você trouxe atestado? — Perguntei em seguida, me recordando de encontrá-la com o Marcos no barzinho.

— Hã, não.... — Ela murmurou assustada — Não fui ao médico.

— Bom, então acho que não seria justo com os outros alunos — comentei diante um tom óbvio — Dei a eles dois dias para fazer e você teria mais tempo...

— Não acho que seja injusto, pois eu não sabia sobre o trabalho! — Ela protestou, franzindo a testa — Se soubesse, com certeza traria feito hoje.

— Se você não tivesse faltado minhas duas primeiras aulas, isso não teria acontecido. — Retruquei-lhe e peguei minha pasta sobre a mesa — O prazo de entrega era hoje, sem hipótese de prorrogação, mas se você não faltar mais nenhuma aula, terão outros trabalhos. Boa noite...

Sorri fraco e diante o seu silêncio eu saí andando para fora da sala. Letícia continuou parada, e imagino que irritada e indignada comigo. Talvez eu tivesse sido muito rígido, já que nada me impedia de dar-lhe o prazo de entrega que ela solicitou. Porém, eu não abriria exceção para ela pelo fato de tê-la visto no barzinho com o Marcos no mesmo dia em que ela faltou à aula que eu passei o trabalho.

Contramão (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora