Capítulo Quatro

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Esther colocou as duas mãos na cabeça e suspirou. Havia acabado de sair de mais um banho quente que tomara no último inverno em questão. Ligou o notebook que sempre ficava sobre sua mesa de escrivaninha e começou a remexer a pasta de e-mails. Ficou atônita quando viu que o professor Wilhelm Kuh lhe havia enviado uma mensagem no dia anterior.

"Ruschel,
Quero lhe contar algo. Me procure no café Schön amanhã às 17:00 p.m.
Wilhelm Kuh."

Era naquele dia, às 17:00 e já eram 16:30 da tarde. Mais do que rápido e sem refletir muito sobre o que o professor iria tratar com ela, Esther vestiu uma calça e casaco rapidamente, calçou os sapatos e saiu de casa sem avisar ninguém. Não estava mais se preocupando com eles.

Durante o percurso, no qual ela foi a pé, em passos largos — morava no centro da cidade e o café ficava em quarteirões —, Esther perguntava-se se a notícia seria boa. Parecia que toda a positividade e confiança que ela tinha em si mesma esvaiu-se. Agora, sua mente só pensava que se tratava de algo negativo; seu plano iria por água abaixo.

Pisou no café, vinte e cinco minutos depois, cansada e sem ar. Fez uma vistoria no local com os olhos, para ver se encontrava o professor, mas ele não parecia ainda ter chego. Talvez ele chegasse mais tarde, pois ainda era cinco minutos mais cedo... Mas o professor não costumava chegar em cima da hora. Kuh era um homem pontual e admirava a pontualidade.

Ela sentou-se em uma mesa larga e almofadada que proporcionava uma visão da rua através das enormes janelas de vidro do local. Ficou observando o movimento do horário de rush e sentiu-se, de certa forma, triste. Se fosse embora, nunca mais — ou pelo menos durante um bom tempo — iria conseguir ver sua cidade natal com toda sua cultura, ciência e indústrias farmacêuticas. De certa forma, ela gostava do lugar e não queria deixá-lo, mas ela tinha de fazer isso.

Sofreu, então, uma retirada brusca de seus pensamentos tão nostálgicos e melancólicos quando o professor Kuh chegou.

— Desculpa, acho que te assustei. — ele disse, seguido de um sorriso prostrado.

— Um pouco. Estava muito distraída.

— Posso me sentar?

— Claro que sim. — ela sorriu.

Ele sentou-se de frente para Esther, de modo que ficava de costas para o resto do café.

— Então, Esther, tenho notícias.

— Oh, meu deus. Eu sabia que não iria dar certo. — amaldiçoou. — Desculpe se eu fiz o senhor perder seu tempo... E desculpe qualquer desgosto que acabei lhe dando.

Quando ela ia levantar-se e ir embora para viver sua mágoa pré-declarada sozinha, o professor Kuh a fez parar.

— Esther, sente-se. Calma. — ela voltou em seu lugar. — Eu consegui enviar a carta de recomendação. Ontem de manhã a Universidade de Leipzig me mandou uma mensagem.

— E ela dizia que eu não fui aceita, certo?

— É, sim. — ele disse. O sorriso tenso de ambos desabou em uma expressão de decepção.

Esther sabia que não seria aceita. Viu seu plano ser descontraído aos poucos. Mas ela daria um jeito de concretizá-lo, nem que fosse para sair sem um destino certo. Porém, não importava o quanto ela tentava se acalmar por dentro, ainda estava completamente decepcionada consigo mesmo e com o mundo por não ter conseguido entrar na faculdade que tanto queria. Parecia que havia um abismo entre ela e o ensino superior. Esther sentia-se mentalmente incapaz e atrasada.

— Porém — continuou Kuh. Esther sentiu uma pontada de esperança. —, eu conversei com o reitor da faculdade. Ele é meu amigo. Estudamos juntos naquela mesma instituição há quase trinta anos. A mãe dele, que na época já era uma senhorinha viúva, me disponibilizou um quarto em sua casa quando eu mais precisava. Sou grato até hoje. Não tinha dinheiro para me manter.

Apesar dela não estar tão interessada em ouvir novamente a emocionante história de vida do professor Kuh, ouvir aquelas palavras a acalmou. Ele chegou onde chegou por muito esforço. Ela sabia que muitas coisas haviam dado erradas na vida do professor.

Uma vez ele contou para toda a sala, afim de influenciá-los, que engravidou a primeira namorada quando tinha dezenove anos. Ele foi o último que conseguiu entrar na faculdade por conta de suas notas. Ignorado e discriminado, soube que a criança nasceu morta e a namorada decidiu abandoná-lo. Isso destruiu o professor pela primeira vez. Depois de anos decadentes na faculdade, na qual ele não tinha dinheiro o suficiente para se sustentar e comprar seus materiais, ele finalmente se formou, conheceu Frida e se casaram. A partir daí, sua vida tem sido um mistério. Todos apostavam que ele deu aulas, ganhou prêmios, participou de escavações ao redor do mundo — principalmente na Tunísia — e foi prestigiado, mas Esther sabia que havia mais coisas que eles preferiam manter em segredo. De qualquer forma, o espaço era deles e isso tinha de ser respeitado.

— Fico feliz que tenha superado todas essas dificuldades, professor. — comentou.

— Enfim, sou íntimo dele. Eu conversei pessoalmente com Frank Weber. Contei que você era uma aluna exemplar, adorava história e é extremamente dedicada e inteligente. — os olhos de Esther brilhavam e ficaram fixos de expectativa. — Bem, ele conseguiu disponibilizar uma vaga para você.

Talvez esse tenha sido o sorriso mais largo e genuíno que Esther já deu. Os olhos dela brilhava. Seu corpo e sua mente foram tomados por uma sensação de alívio e felicidade. Nunca, anteriormente, ela havia se sentido assim. O peso da incerteza e da insegurança tinha saído de dentro dela; sua alma se iluminou. Em um instante, o mundo ficou leve e mais claro.

— Por favor, professor, não brinque comigo. — ela soltou, com uma expressão labial tensa e feliz.

— Eu não estou brincando, Esther. Você irá cursar História em Leipzig.

A Dama De LeipzigOnde histórias criam vida. Descubra agora