Talvez, o amor fosse tão ardido quanto aquelas chamas; tão vivo quanto a cor do fogo. A única coisa que eles tinham em comum era que deixavam as pessoas em desespero. O amor pode proporcionar maravilhas aos humanos, assim como o fogo também proporcionou ao longo de tantos anos da humanidade. Entretanto, são capazes de colocar as pessoas em um círculo vicioso de desespero completo.
Esther logo se viu no mesmo caminho, cercada por chamas altas e sentindo a quentura daquele plasma mundial perto de seu corpo. Foi ela própria quem escolheu estar ali, em meio a tanta ardência, com a esperança de fugir do semelhante das chamas: o amor.
Escutou alguns pedidos de socorro. Eles viam, muito provavelmente, do altar. Sem conseguir enxergar mais adiante por causa da escuridão e da fumaça, Esther confiou veemente em seus instintos e seguiu em direção ao altar. O caminho ainda estava claro em sua memória recente. Foi se aproximando cada vez mais e, enfim, avistou uma garotinha que tivera sua pele pálida e rosada arruinada por tanta fumaça.
Vendo que não era possível subir no altar de madeira, já muito deteriorada pelas chamas, Esther tentou chamá-la. Inútil. Havia tanto barulho do lado exterior e interior da igreja que ficava difícil a comunicação entre ambas.
Ela observou alguns degraus laterais que ainda pareciam firmes. Tentou chamá-la mais uma vez e avisar para que a garotinha, que não deveria ter mais de oito anos, usasse eles. Calculando rapidamente, ela sabia que seria arriscado ela subir pelos degraus e ir até ela, já que o seu peso era bem superior do que o da criança.
— Ei. — gritou. — Está me ouvindo?
Nada. Ela nem olhou em direção a Esther.
— Ei! — gritou, dessa vez com um tom bem mais alto. A menina virou o rosto desesperado e fincou o olhar cheio de esperança em meio à escuridão no de Esther.
Levantou-se da beirada do altar, onde o fogo chegou instantes depois, e foi na direção da salvadora. Porém, sem prestar atenção nos degraus que poderiam ser utilizados por ela, a criança voou para o chão, encostando sua delicada mão no fogo e soltando um gemido de susto e dor, tanto pela queda, quanto pelo fogo e medo.
— Droga! — blasfemou Esther. — Vem. Vamos sair daqui rápido!
Pegou a criança no colo e apertou mais ainda contra seu peito. Agora, o desafio era sair dali. Parecia algo impossível. Todas as saídas estavam ofuscadas pelo fogo. A sensação era de que as chamas consumiram a igreja toda e agora estavam focando em a avançar contra elas.
Sem pensar duas vezes, ela correu em direção a saída lateral que mais parecia livre. Engano seu. Próximo a ela, uma viga de madeira que ficava no teto caiu. Desistiu dessa saída e foi em direção à saída principal, onde provavelmente o corpo de bombeiros já estavam jogando água e poderia haver uma equipe esperando por elas.
Ao se aproximar da saída, sentiu um alívio dominar seu corpo exausto. Por um momento, pensara em desistir do plano e voltar para casa, submetendo-se a ficar sob os cuidados médicos. Mas um lado seu mais confiante e determinado não deixou que isso acontecesse.
Sentiu o ar puro — ou quase puro — dominar seus pulmões. Respirou por alguns instantes enquanto corria em direção ao caminhão do corpo de bombeiros. Aquele borrão vermelho estavam à espera delas para salvá-las.
Quando viu alguns bombeiros e policiais se aproximando, ela sabia que era a hora de partir. Deixou a garotinha no chão de gramado. Antes, abaixou-se, ficando na sua altura e fincando o olhar nos olhos inocentes e curiosos dela.
— Não me arrependi de salvá-la. Fique em paz. — sussurrou.
A menina encheu seus olhos verdes de lágrimas genuínas. Em sua cabeça infantil, aquilo era emocionante e triste o bastante para fazê-la chorar. Sua mente também implorava pela presença de seus pais naquele instante.
Ela ficou observando a mulher de calça jeans e jaqueta de couro correr novamente em direção à igreja sucumbida em chamas. Não entendeu a situação e o porquê dela querer voltar para aquele inferno. Só parou de tentar achar uma resposta quando sentiu as mãos grandes, ágeis e fortes de um dos bombeiros tocar em seus pequenos braços.
— Céus, você está bem? — ele perguntou, a pegando no colo logo em seguida e levando-a para uma área mais segura.
Outros bombeiros treinados para situações como essas foram para a igreja em chamas, tentar entrar lá dentro e verificar se a garota estava bem. Foi um gesto estranho. Ela conseguiu sair, salvando uma menina de sete anos, porém voltou para as chamas e desapareceu em meio a elas novamente.
Os homens que estavam observando a cena de longe, enquanto prestavam atendimento rápido às vítimas do incêndio que dominou a igreja luterana naquela noite de domingo, também estavam intrigados com o que presenciaram. Será que ela pensou que havia mais pessoas lá dentro? Será que queria burlar o serviço dos bombeiros, arriscando a própria vida e salvar algum companheiro de fé?
O tenente da Feuerwehr Darmstadt, Klaus Sperb, ficou prostrado dentro de uma base móvel de pronto atendimento médico.
— Tenente. — um jovem cadete do corpo de bombeiros veio correndo, afogado nas próprias falas. — Conseguiram identificar quem era a menina que salvou aquela garotinha e voltou para a igreja em chamas.
— Qual era o nome dela?
— Ela se chama Esther Ruschel.
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A Dama De Leipzig
מתח / מותחןEsther Ruschel cresceu sob os cuidados de um pai paranóico, que insistia que a esposa, Eva, lhe traía. Todos os danos psicológicos, as brigas e o descontentamento com a vida que leva fez com que a genial aluna recém-formada tomasse uma decisão difíc...