A Profecia

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- Conte – me mais uma vez a história, minha mãe. Conte – me sobre sua visão. Eu tenho medo, e sua voz é a única coisa que pode me acalmar.
Aquelas palavras foram pesadas o suficiente ao ponto de me fazerem lembrar de minha visão e de meus sonhos, que se tornaram parte de uma profecia que talvez nem eu e nem minha filha vivamos a ponto de vê – la se cumprir.
- Eu era um pouco mais nova, mas me lembro de minha mãe me dizer sobre uma profecia que ela ouviu de sua mãe, minha vó, – disse em voz alta – e disse também de que minha vó possuía um poder que é tão antigo quanto a profecia, que existia há muito tempo atrás, e esse poder permaneceu nos corações de muitos dos que um dia foram (e ainda serão) essenciais para que se cumpra essa profecia, que ruge na boca do leão, abre os mares e fere os céus, fazendo com que toda a terra se estremeça a tal ponto que o fogo fique gelado e o gelo se derreta em uma fração de segundos, e mesmo assim, esse poder sempre permaneceu, reinou, nos dominou e prevalecerá por anos, até que estrelas caiam e caiam, e estrelas nasçam e também caiam, e com a sua poeira formem novas estrelas que um dia irão cair, até sumir e não se restar nenhuma, se tornando uma história vazia e tão antiga, que foi contada até antes mesmo de existir a palavra dom. – e tudo que eu digo se forma em minha mente, como uma lenda, ou talvez como a memória de algo nunca visto por mim, algo que ainda está por vir.
Solto a minha mente e deixo o meu corpo livre, pronta para ouvir o som do universo, que conspira a favor da profecia, assim como sussura ao meu ouvido tudo o que preciso de falar, e como a água, as palavras apenas fluem da minha boca.
 Eu gosto de contar sobre as histórias. Elas, as histórias, a entretém,  e isso é bom, já que a faz esquecer por alguns segundos, alguns poucos e míseros segundos de que lá fora está acontecendo uma guerra, e aqui dentro, o que impera é a fome. 
- Ela contava para minha mãe sobre uma menina, - continuo - que iria salvar o nosso povo, e então essa história foi contada para mim, e eu estou contando pra você, e assim como eu, você contará pra sua filha, que contará para sua filha, assim como você a instruirá a fazer no momento certo, para que ela se prorrogue e venha a existir algum dia, mas nunca morra e nunca seja esquecida, de tal forma que algum dia o universo a faça acontecer. Existia uma menina, – continuo - forte, assim como você...
- Assim como eu? – ela me interrompe, com uma voz doce e inocente que me faz lembrar a razão de eu ainda existir.
- Sim, querida. Assim como você. Ela nasceu pra acabar com a injustiça, destruir uma guerra e impor a paz. Ela tem todo o controle em suas mãos, do poder, e o controle do que tem o poder, assim como tem o controle de si, e sabe como governar, justa e absoluta, fazendo a verdade se tornar a principal soberania. Ela tem a vida e o dom dentro do seu coração, e a razão jaz de suas mãos. Ela manda e obedecem, e assim como o rei exige respeito de seus súditos, todos os quatro cavaleiros se curvarão a ela, e assim será por nações, e nações, e nações, até que os seus filhos e os filhos de seus filhos possam continuar a contar essa história da nossa salvadora, a senhora que um dia ainda há de fazer com que o mundo reine com amor, que será passada de geração a geração, e será plantada na mente de cada um daqueles cuja a mente esteja apta para compreender e a alma pronta pra acreditar, pegando a chance de mudar tudo isso sem deixar que a história morra e nem se perca, se transformando apenas em um sonho distante. Essa garota, que criou os dons e todos os possui, será um dia reconhecida, e nela haverá a marca, que indicará que ela nasceu pra guerrear, e pra derrubar aquele que se considera o rei, e essa marca nascerá com ela e com ela morrerá, assim como ela veio do pó das estrelas e pra lá voltará, como o rei que marcado está pelo fogo, o fogo que sai da terra e passa por seus braços, que é marcado com o único símbolo do... – Paro de falar ao perceber que em meu colo, a criança dorme, vencida pelo cansaço, restando apenas a fome. Assim o universo fecha os olhos, e se despede com um toque tão suave quanto um beijo em meu rosto, pairando nas nuvens, já satisfeito por ter me usado com o seu porta voz. Com meus dedos, toco suavemente os cabelos de minha doce criança e automaticamente sinto a sua temperatura, e sei que arde em febre. A fome ainda predomina. Mordo um pedaço de meu dedo, e deixo que o sangue saia até que se esvaneça a última gota possível, enquanto direciono meu dedo a sua boca e assim a alimento. 
- Durma bem, querida, e que o universo te proteja. 
Nesse momento deixo que meu corpo seja invadido pela música do mundo, e a guerra lá fora não mais me importa, já que o universo canta a melodia mais suave já inventada e conhecida pelos seus. Canta para ela. Canta pra mim. Para nós. Para a vida. Para a escolhida.
- Não se esqueça, criança, que um dia eu te amei – digo sussurrando em seu ouvido, enquanto o universo a embala com seu som – e que você tem que continuar por onde paramos, levando a história em seu coração, e multiplicando – as em séculos, trazendo vida e esperança. 
E dizendo isso, fui tomada. Agora sou eu quem durmo, mas pra sempre. Sou eu quem lentamente fecho meus olhos, e já sem forças, penso na profecia. Que ela se cumpra, é o meu desejo. 

Assim cedo meu espírito, e meu corpo é rendido e levado aos céus, para que o universo o espalhe, assim como ele faz com o pó da terra. E quando menos espero, brilho, me transformando na estrela mais próxima possível da lua, pra que onde eu estiver, consiga aquecer o coração da minha pequena filha, até que um dia ela venha aqui.
Agora, apenas ouço o som do espaço e do mundo, e o universo diz pra mim:
- Chegou a sua hora. Durma, durma.

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